Registros desprotegidos

Fernanda Távora

  • Grande parte das pinturas da Serra da Capivara representa figuras humanas e objetos. A cor vermelha está presente na maioria das gravuras encontradas no parque. (Divulgação)As pinturas rupestres encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, são os vestígios arqueológicos da mais remota ocupação humana da América Latina. As inscrições rupestres em paredões de pedra e cavernas têm até 50 mil anos e mostram o cotidiano de antigos habitantes da região, em quase 400 sítios espalhados pelo parque. O público pode ver de perto essas pinturas, mas tudo leva a crer que por pouco tempo. Apesar de sua importância, este patrimônio cultural da Unesco tem passado por dificuldades financeiras e corre o risco até de fechar.

    Em janeiro passado, a coordenadora da Fundação do Museu do Homem Americano, Niéde Guidon, deu um aviso prévio a quase cem funcionários que trabalham no local. Segundo ela, os repasses de investimento anual feitos através do fundo de compensação ambiental (que não são fixos) são incapazes de dar conta da manutenção dos 130 mil hectares do parque. “Em uma época, chegamos a ter 270 funcionários, mas reduzimos para 140. Das 28 guaritas, somente 12 estão funcionando. Uma equipe está fazendo a conservação das estradas e ninguém mais trabalha na limpeza e proteção das pinturas”. Sem a segurança necessária, o número de visitantes do Parque, que já não é alto, pode diminuir. A Serra da Capivara recebe uma média de 20 mil visitas anuais, enquanto a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, por exemplo, recebe cerca de 2 milhões por ano.

    A gestão atual do Parque é uma parceria entre a Fundação e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal responsável pelas unidades de conservação de meio ambiente do país. Tarefas como a execução de ações de proteção, uso público, educação ambiental, manutenção de infraestrutura ficam a cargo da Fundação através da administração dos investimentos. Segundo Niéde, desde 2012 o parque não recebe verba do Instituto. Numa tentativa de manter o funcionamento da Serra da Capivara, a antropóloga procurou a ajuda do Iphan, que prometeu um repasse de R$ 500 mil para o primeiro semestre de 2014. Há ainda R$ 400 mil da ICMBio, sem previsão de liberação.

    O  Parque da Serra da Capivara passa por dificuldades para manter sua estrutura. Sem a manutenção necessária, a visitação ao parque que já é baixa pode diminuir. Acima, uma das passagens para a entrada das cavernas.  (Divulgação)A antropóloga Andreia Oliveira, que faz pesquisa de campo no local, afirma que a falta de investimentos não se reflete apenas na situação dos funcionários.“A Fundação viabiliza a estadia dos pesquisadores nas áreas de pesquisa de campo. Sem verbas, não há dinheiro para mandar os materiais para a análise ou mantê-los no laboratório. A falta de investimento, de certa forma, resulta em uma falta de apoio à pesquisa”.

    Carlos Etchevarne, antropólogo da Universidade Federal da Bahia, entende a luta de Niéde Guidon e afirma que a maior dificuldade é fazer com que as autoridades entendam a importância da área como patrimônio e fonte de renda para o turismo da região. “A Fundação luta há anos para assegurar a sustentabilidade do Parque, mas até agora foi impossível. Os recursos financeiros deveriam ser garantidos permanentemente”, afirma.