“Aluga-se uma escrava grávida de 18 meses na ladeira do Castelo, ao lado esquerdo de quem sobe, aluguel é 18$000. Aluga-se uma preta que sabe comer, beber e dormir por 100 réis; na Rua de Pedro III, n°11.” Os extratos do anúncio publicado no 1º número do Jornal Satírico, em 9 de outubro de 1881, ironizando a condição do escravo no Império, são amostras da diversidade dos documentos reunidos no inventário Registros Escravos: documentos oitocentistas da Biblioteca Nacional. O projeto, coordenado por Lilia Moritz Schwarcz, com supervisão de Lúcia Garcia, dedicou-se, desde 2003, a levantar documentos diversos nas coleções da Biblioteca Nacional, entre manuscritos, obras raras, periódicos, partituras e registros iconográficos sobre a escravidão no país ao longo do século XIX.
O material será vertido em um abrangente roteiro de fontes sobre o tema. Estão previstos, ainda, um livro de arte reunindo parte das imagens levantadas e uma exposição, onde os mais significativos registros sobre a escravidão do período oitocentista, muitos deles inéditos, virão à luz.
A equipe de pesquisa, composta também pelas estagiárias Amanda Danelli, Fernanda Castro e Samantha Cardoso, recém-graduadas em História, percorreu durante dois anos todas as coleções da Biblioteca. Para exemplificar a variada gama de fontes consultadas, vale destacar os anúncios encontrados na Divisão de Periódicos. As relações entre cativos e senhores, alertas sobre negros fugidos, ofertas de amas-de-leite e toda a exploração inerente ao trabalho escravo estão registrados em diversos artigos e anúncios de jornais, folhetos e revistas.
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Figurando como personagem principal, ou mero pano de fundo, o escravo está presente em diversas obras que integram o acervo iconográfico da Biblioteca Nacional, de autoria de Lemercier, Chamberlain, Ouseley, Martinet, Debret e Rugendas, entre outros artistas estrangeiros que documentaram em litografias, aquarelas e desenhos as feições do Império Brasileiro.
Na Divisão de Manuscritos, entre inúmeros documentos originais, encontram-se requerimentos dirigidos por escravos brasileiros solicitando liberdade, ofícios da chefia de polícia do Império sobre prisão de escravos, diversas cartas de alforria, recibos de compra e venda de negros, além do documento original da Lei Áurea, escrito sob a pena da Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. Entre as obras raras selecionadas figura um abaixo-assinado representando cento e cinco pessoas, impresso pela Typographia Torres no Rio de Janeiro e enviado ao Imperador com o intuito de relatar uma conjuração de negros escravos, nos dias 29 e 30 de junho de 1831, nas fazendas de Manoel do Nascimento, Manoel Pereira Terra e Joaquim Pinheiro e Francisco Martins. O objetivo da rebelião escrava era, segundo o impresso, “matar todos os homens brancos e livres, congregando os escravos para tomar o poder, tendo sido escolhidos entre eles os escravos que ocupariam os cargos de reis e príncipes”.
A herança africana e o complexo cotidiano da escravidão no Brasil também foram tema para músicos do período. Essa contaminação inevitável fica evidente nas diversas partituras de modinhas, hinos, polcas, lundús, entre outros ritmos. No Himno da Redempção, composto em 13 de maio de 1888, dr. Luiz Murat e Abdon Milanez celebram o fim da escravidão no país:
Pátria, és feliz! Os teus exploradores / Vem-te surgir bela como uma aurora; / Dize aos escravos que não há senhores, / E ao mundo inteiro que estás livre agora
Já não carregas os teus duros ferros / Entre um coro de dores e gemidos. / Sobes da liberdade os altos cerros / Com as algemas e os grilhões partidos
Registros Escravos
Revista de História