Relatos do interior

Fernanda Távora

  • Os médicos Oswaldo Cruz, Arthur Neiva e Belizário Penna empreenderam expedições para o norte e nordeste do Brasil no início do século XX a fim de conhecer e entender melhor doenças presentes na região, como o mal de Chagas e a malária. Foi durante esse período, entre 1911 e 1914, que fotografias e relatos dos pesquisadores colaboraram para uma mudança de visão de quem vivia nas cidades sobre o interior do país. Quase cem anos depois, os registros dessas expedições fazem parte da exposição “Imagens em negativo de vidro da Casa de Oswaldo Cruz”, no palácio da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

    Foram digitalizadas cerca de 9 mil imagens raras que mostram o cotidiano e as atividades ligadas à instituição no início do século passado. “Na época eram empregados negativos de vidro, tínhamos um grande conjunto de imagens já que, desde o início, a Fiocruz se preocupava em ter este tipo de registro”, explica Aline Lopes de Lacerda, pesquisadora do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz (DAD/COC).

    As imagens das expedições históricas foram registradas em negativos de vidro. “Essas expedições foram um divisor de águas para a saúde pública da época”, afirma Jaime Benchimol, historiador e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz. Segundo ele, grande parte dos investimentos em saúde era voltada para a área urbana do país, porque se acreditava que o campo era um local puro, longe dos ares fétidos da cidade.

    Foi por meio dos relatos e das imagens feitas por Oswaldo Cruz que a sociedade da época percebeu que o interior do Brasil era marcado pela miséria e pelas doenças. Esses registros alcançaram grande repercussão, influenciando uma mudança no pensamento social brasileiro e na evolução científica. “É um momento de consolidação da saúde pública voltada para o interior do Brasil. É nesse período que a imagem do Jeca Tatu se torna símbolo do descaso com a saúde da população rural”, explica Benchimol.

    Para Aline, as imagens carregam um valor significativo também para o campo científico, já que passam informações sobre o modo de vida de uma população, os hábitos de higiene, a existência ou não de algum tipo de saneamento, o consumo de água. “Apesar de o relato trazer detalhes que a fotografia não é capaz de traduzir, a imagem traz informações que só são possíveis de serem captadas visualmente. A união destas duas coisas promove uma grande qualidade para os estudos feitos na instituição”, explica.

    A Fundação tem investido na manutenção desses registros desde a década de 1980. “Em 2010 começamos a captação de recursos para a digitalização. Encontramos arquivos pessoais, mas a grande maioria pertence ao registro do instituto”, explica Aline. Parte dos arquivos digitalizados já está disponível na base de dados da Casa de Oswaldo Cruz (http://arch.coc.fiocruz.br/).