Em tempos de Internet, o correio convencional ficou com cara de coisa ultrapassada. Mas quem aprecia evoluções tecnológicas tem o dever de lhe tirar o chapéu. Quando surgiu, no século XVI, o serviço de correios representou uma verdadeira revolução na forma como a sociedade se comunicava. E, fazendo as contas, reinou absoluto por mais de quatro séculos.
Se é para tomarmos ao pé da letra, a história começa muito antes. Na verdade, sua origem se perde de vista. A necessidade humana de se comunicar à distância – por meio de um suporte escrito ou de uma terceira pessoa – existiu em praticamente todos os povos e todas as épocas, levando a tipos de “correios” mais ou menos organizados. Exemplos notórios disso são os cursus publicus do antigo Império Romano e os arautos das cortes medievais. No entanto, esses serviços atendiam apenas a uma necessidade oficial ou corporativa, sempre destinados a servir ao governo ou a um grupo social específico, e não a toda a população.O serviço de correios como agora o conhecemos tem sua origem em fins do século XIV, quando a Europa experimentava um crescente desenvolvimento comercial e a consolidação dos estados nacionais. A escrita se disseminava graças à evolução dos seus suportes: o advento do papel e a invenção da imprensa transformaram os meios de transmissão de idéias que tanto ajudariam na divulgação dos valores humanistas na época do Renascimento.
Lentamente, começou a se formar um circuito mais ou menos regular de transporte de correspondências, valores e pequenas encomendas ao alcance da população em geral. Entre os primeiros serviços de correio público criados na Europa destaca-se o da família Thurn und Taxis, que no início do século XVI serviu a todo o Velho Continente através do vasto império da casa dos Habsburgo, chegando ao seu auge durante o reinado do imperador Carlos V (1530-1556). Francisco de Taxis foi o grande impulsionador deste sistema. Em 1490 ele se estabeleceu em Malines, na atual Bélgica, e dez anos depois foi nomeado Mestre dos Correios da Corte do Imperador Maximiliano. Por volta de 1516, já tinha organizado uma grande infra-estrutura postal que, partindo de Bruxelas – sede da Corte dos Habsburgo –, se ramificava por várias cidades onde tinha parentes ocupando o cargo de Mestre dos Correios local, como Insbruck, Trento, Saragoça, Roma, Veneza e Augsburgo.
Em Portugal, o Correio-Mor foi criado em 1520 pelo rei D. Manuel, que o deixou a cargo de Luís Homem. Pode-se dizer que era o Homem certo para a hora certa. Provavelmente de origem modesta, poucos anos antes ele era um simples criado do rei, sem qualquer título de nobreza. Mas uma mistura de sorte e competência elevou o status do súdito. Ele atuava como mensageiro leal Europa afora, e também foi enviado como soldado ao longínquo Oriente. Em 25 de novembro de 1510, encontrava-se na Índia quando a cidade de Goa – o mais importante entreposto comercial da região – foi conquistada pelos portugueses. Embora não estivesse ali para isso, coube a Luís Homem assumir o papel de correio, levando para Lisboa maços de cartas com as boas novas.
Em 1517, seu nome voltou a merecer a atenção da Corte. Em carta a D. Manuel, o escrivão de uma embaixada em Flandres fez rasgados elogios à presteza (ou “mui grande diligência”) de Luís Homem como mensageiro, ainda mais levando-se em conta “o mal aviamento que tem em Portugal”. A elogiosa menção não deve ter passado batida pelo rei, e a crítica ao improvisado método postal lusitano provavelmente ecoava um pensamento coletivo. De fato, era preciso reestruturar o sistema. Daí a criação do Correio-Mor, e com ele o nobre ofício recebido por Luís Homem. Era sua responsabilidade organizar um esquema que centralizasse a recepção e a distribuição de toda a correspondência, tanto em Portugal como para fora do Reino.
Receber o privilégio exclusivo de exploração do negócio não era nada excepcional naqueles tempos. A Coroa portuguesa não tinha como administrar sozinha todos os serviços de interesse público. Por isso passou a delegar diversos ofícios a monopólios particulares. Era a gênese da moderna burocracia.
Mas, e o Brasil? Àquela altura, o Correio-Mor ainda estava longe de existir por estas terras recém-descobertas. Ainda assim, a certidão de nascimento da nossa colonização foi um marco na história das correspondências. Graças à pena afiada do escrivão Pero Vaz de Caminha, a primeira carta expedida por estas bandas é um colorido registro do encontro entre mundos diferentes. “A feição deles é serem pardos, de bons rostos e bons narizes, bem feitos” – as palavras de Caminha descrevendo a nova terra e seu povo chegaram à Europa a bordo de uma nau comandada por Gaspar Lemos, que Cabral mandara voltar a Lisboa com as novidades.
Durante praticamente todo o período colonial, a troca de correspondências esteve sempre a cargo de um portador ocasional ou de um viajante solícito. A idéia de um serviço postal organizado no Brasil só tomou corpo em 1657, com a criação do Correio-Mor das Cartas do Mar, abrangendo todas as colônias portuguesas. O objetivo imediato não era melhorar a comunicação nos diversos rincões do Império. Era fazer caixa. Os esforços da Guerra da Restauração Portuguesa contra a Espanha (1640-1668) – que decretaria o fim da União Ibérica – obrigaram o Estado a buscar outras fontes de recursos. Criar e vender a concessão do novo ofício surgiu como uma alternativa rentável para a Coroa.
Desde 1606, o ofício de Correio-Mor tinha sido vendido em definitivo à família Gomes da Mata, de marcante presença no comércio. Com a criação do serviço de “Correio do Mar”, a rainha D. Luísa de Gusmão, viúva de D. João IV, decidiu unificar os correios lusitanos, e mandou designar “assistentes” para coordenar o movimento postal nas principais colônias. Seria, enfim, o início dos correios além-mar. A ordem foi expedida em 1658, mas quatro anos depois o Correio-Mor Luís Gomes da Mata ainda não contava com os assistentes, dependendo da boa vontade dos governadores locais, o que prejudicava em muito o trabalho: “(...) se tem seguido inconvenientes de se furtarem e perderem cartas e letras que, se viessem remetidas em saco lacrado pelos seus assistentes (...) se não perderiam”, escreveu.
Em resposta, D. Luísa determinou a posse dos assistentes, mas, em 23 de junho de 1662, um golpe de Estado derrubou a rainha regente, culminando com a entrega do governo ao rei D. Afonso VI. Somente em novembro o Correio do Mar conquistou o direito de ter seus primeiros representantes na Colônia: determinou-se a posse de assistentes na Bahia, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em Cabo Verde, na Ilha Terceira e na Ilha da Madeira.
Então é este o marco do surgimento dos correios no Brasil? Ainda não. Na verdade, não se sabe a data exata em que tomou posse o primeiro assistente do Correio do Mar. Dos nomeados, o único efetivamente empossado foi o alferes João Cavaleiro Cardoso, no Rio de Janeiro, provavelmente em 30 de julho de 1663. Todos os outros foram boicotados pelos colonos.
O curioso é que outra data tornou-se pública e consagrada: 25 de janeiro de 1663. A tal ponto que fez de 25 de janeiro o Dia dos Correios (ou Dia do Carteiro). Foi no início do século XIX que um dos grandes cronistas da história do Rio de Janeiro, monsenhor José de Sousa Azevedo Pizarro e Araújo (1753-1830), escreveu em suas Memórias Históricas do Rio de Janeiro que “principiou no Brasil o estabelecimento do Correio pelos anos de 1663, com um regimento datado de 25 de janeiro”. Mas o fato é que não há qualquer documento da época que mencione essa data.
Em resumo: no Brasil, os Correios comemoram seu aniversário no dia errado. Pelo reconhecimento público e a importância social que conquistaram ao longo dos séculos, valeria enviar-lhes uma carta informando sobre o equívoco. Ou um e-mail.
Luiz Guilherme G. Machado é museólogo, colaborador da Fundação Portuguesa das Comunicações e autor do blog História Postal & Cia.
Saiba Mais - Bibliografia:
ROSÁRIO, Irari de Oliveira. Três séculos e meio da historia postal brasileira: 1500-1843. Rio de Janeiro: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, 1993.
Saiba Mais - Site:
http://historiapostal.blogspot.com
Remessas tardias
Luiz Guilherme G. Machado