Hoje em dia, a palavra “mágica” faz lembrar os espetáculos de ilusionismo no qual um mágico, geralmente com auxílio de uma bela assistente, realiza maravilhas diante dos olhos entusiasmados da plateia. São lenços coloridos transformados em pombas brancas, coelhos saltando de cartolas, objetos – ou mesmo uma pessoa! – desaparecendo diante dos olhos de todos, e assim por diante.
Contudo, mágica, desde o final do século XVIII – ou, pelo menos, desde o início do século XIX – designa, no Brasil e em Portugal, espetáculos de teatro musical. No palco aconteciam efeitos maravilhosos, só que ligados a um enredo, com cenários e figurinos luxuosos, maquinismos complexos para garantir os efeitos fantásticos, música orquestral e cantada, intercalada com diálogos. Apresentações semelhantes aconteciam em outros países da Europa, como é o caso das féeries na França e das “comédiasmágicas” na Espanha. O século de apogeu do positivismo e do objetivismo na ciência, diretamente ligados ao racionalismo, parece ter sido também o século de apogeu da ilusão e da fantasia proporcionadas pelas mágicasnos teatros da Europa e do Novo Mundo.
Essas práticas alcançaram considerável sucesso nos teatros do Brasil e de Portugal, lotando as salas de espetáculos e gerando investimentos e lucros significativos, aos quais os jornais se referem, por vezes, como um “eldorado”. E isso não somente nas capitais, mas também em outras cidades, no Brasil e em Portugal, como na cidade do Porto e até no arquipélago de Açores.
O número de récitas de cada exibição parece indicar que as mágicas conquistavam facilmente os espectadores, correspondendo às expectativas de quem tinha condições de pagar pelo ingresso. Segundo jornais da época, esse público era o mesmo que frequentava as óperas, e que não parece ser da camada menos aquinhoada da população. O Jornal do Brasilde 25 de janeiro de 1895 menciona “o meio centenário das representações da ‘Cornucópia do Amor’, a deliciosa mágica, que tão bela carreira tem feito entre nós”, em cartaz no Teatro Sant’Anna, no Rio de Janeiro. Espetáculos como esse eram facilmente encontrados nos teatros do Rio de Janeiro e de Lisboa. O Jornal do Brasil, nos meses de março e abril de 1895. anunciava as mágicas “A Cornucópia de Ouro”, “A Loteria do Diabo”, “O Poço Encantado”, além de “A Pera de Satanaz”, no Theatro Apollo, e “As Maçãs de Ouro”, no Variedades. Em Lisboa, o periódico Brasil-Portugal, em 1899, divulgava a mágica “O Relógio Mágico” no Teatro Trindade, “As Proezas de Satanaz” no Teatro do Rato, e, no Real Colyseu, “O Cavalheiro da Rocha Vermelha”, que obteve sucesso também no Brasil.
Os periódicos também traziam comentários sobre ingressos que se esgotavam diariamente e críticas que, em geral, eram elogiosas, como a que foi extraída do Brasil-Portugal, em 1899, sobre “O Relógio Mágico”: “Há muito tempo não vemos em theatro portuguez peça com tantas condições para agradar e fazer carreira. É interessante, original (...), luxuosamente enquadrada de sentimento, e insinua deliciosamente no ouvido toda a peça, a mais encantadora, leve e perfumada música que é possível imaginar.”Os comentários negativos, mais raros, geralmente eram dirigidos ao texto das mágicas, a partir do final do século XIX.
Grupos especializados no gênero, como a Companhia de óperas cômicas, mágicas e revistas do Teatro São José, do Rio de Janeiro, obtiveram grandes lucros com esses espetáculos, que envolviam numerosos profissionais em suas apresentações, chegando a ter até 200 artistas em cena. Os próprios atores costumavam cantavam, mas cantores líricos também podiam estar presentes nesses elencos.
Personagens diversos circularam pelos palcos das mágicas: príncipes e princesas, reis e rainhas, gênios e fadas, camponeses, soldados, odaliscas. O fio condutor da ação era, ao mesmo tempo, ingênuo e sedutor. Geralmente a história se passava em terras longínquas, de preferência no Oriente, artifício que favorecia o voo da imaginação. Mas havia também alusões sutis à atualidade, e até mesmo às políticas de censura às mágicas em Portugal. Acensura às mágicas aparece explicitamente em alguns documentos, como em um cartaz que anuncia “O Mágico em Andaluzia”, exibida em 1828 e 1832 no Theatro São João, na cidade do Porto. A publicidadeinforma que “Este Drama foi prohibido pelo governo absoluto”, e termina dando vivas à Carta Constitucional e a seus defensores. Referências como essa revelam quea repressão às críticas políticas, sutilmente presentes nas mágicas, mesmo quando deslocadas para contextos longínquos, de alguma forma preocupavam o poder político constituído.
Uma presença curiosa é a dos personagens diabólicos, como diabo, satanás, sataniza – versão feminina de satanás – e demônios. Muitas vezes eles tinham o papel principal, como os próprios títulos comprovam. Mas era um diabo criado nas tradições populares, divertido e irreverente, muito diferente daquele construído pela Igreja, maléfico e punitivo. As fadas também eram muito presentes, mas, diferentemente dos diabos, quase sempre críticos da sociedade, elas frequentemente davam uma conclusão moral ao enredo, reafirmando os valores da época, embora também pudessem ser más ou vingativas em determinadas situações.
O roteiro permitia a montagem de diferentes cenários, que se transformavam diante da plateia graças a engenhosos recursos engendrados por um maquinista. O truque da transformação era indecifrável para os espectadores. Mas esses efeitos não foram invenção dos autores das mágicas. Antes, já havia o uso de maquinismos para produzir efeitos especiais e ilusão teatral tanto no teatro renascentista do século XVI quanto no teatro barroco do século XVIII. Esses efeitos certamente respondem, em parte, pelo grande sucesso de bilheteria alcançado pelas mágicas, como relatam os jornais da época. A mágica“A Cornucópia do Amor” é uma das que obtiveram grande sucesso, compensando os gastos na produção: “Parece que já não há no Rio de Janeiro quem não tenha assistido às representações desta deslumbrante peça”, publicou o Jornal do Brasil em 2 de janeiro de 1895.
As mágicas podiam apresentar características das óperas e operetas, guardando semelhança com algumas árias e passagens virtuosísticas nas quais os cantores demonstravam seu talento e técnica. A música, aliás, tinha importante função em cena, contribuindo para “desenhar” o caráter da dramatização, e frequentemente era elogiada pela crítica. Algumas partituras indicam que as obras foram criadas por compositores experientes, que lançavam mão de melodias de fácil penetração, com uma orquestração rica e expressiva, envolvendo ainda solos vocais, duetos, tercetos, coros. A partitura das mágicas incorporava diversos gêneros musicais, geralmente ligados ao repertório musical urbano, como valsas, quadrilhas, polcas, lundus, tangos e fados. Entre os compositores do gênero figuram Barrozo Neto e Chiquinha Gonzaga, no Brasil, e Augusto Machado e Ângelo Frondoni, em Portugal, entre muito outros.
Os libretos também eram de autoria de escritores teatrais de renome, como Acácio Antunes, Eduardo Garrido e Francisco Palha. Os mais antigos, da primeira metade do século XIX, frequentemente resultaram da adaptação de antigas lendas e contos de fadas. Com o passar do tempo, as mágicas se distanciaram desse perfil, embora as lendas e os contos apareçam até o final de sua trajetória, por volta da segunda década do século XX, intercalados de outros temas. As cenas e transformações eram descritas quase sempre com enorme riqueza de detalhes.
É possível que as mágicas tenham declinado por diversos motivos: as mudanças de gosto no final do século XIX e no início do século XX, que resultaram também no declínio da ópera; a aproximação e troca de características com o teatro de revista, cujo aparecimento data de meados do século XIX; e, no final do século XIX, o advento do cinema, cujos recursos técnicos são muito favoráveis à produção de efeitos especiais que tanto enriqueceram as mágicas.
Aliás, o cinema comprova que o gosto pela magia e pelos truques permanece até hoje nos palcos e telas, agora explorado com recursos tecnológicos cada vez mais inovadores, capazes de atrair multidões. Talvez essa presença do encantamento pelo mágico ao longo da história do entretenimento possa ser entendida como parte do desejo do homem de superar, de alguma forma, a realidade que o limita.
Vanda Lima Bellard Freireé autora de O Mundo Maravilhoso das Mágicas (Faperj/ Contracapa, 2011).
Saiba Mais - Bibliografia
GUINSBURG et al (orgs.). Dicionário do Teatro Brasileiro – temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva/Sesc-SP, 2006.
SILVA, Lafaiete. História do Teatro no Brasil. Ministério da Educação e Saúde, 1948.
SOUZA, Bastos. Dicionário do Teatro Português [1908]. Coimbra, Minerva: Ed. Fac-similar, 1994.
SOUZA, J. Galante de. O Teatro no Brasil. Rio de Janeiro: s/e, 1960.
Respeitável público!
Vanda Bellard Freire