Samba em hebraico

Cristina Romanelli

  • Repórteres e escritores já tentaram mostrar a rotina da população mais simples de São Paulo, mas foi um homem que vivia essa realidade que acabou contando, ou melhor, cantando-a para o país inteiro. Adoniran Barbosa (1910-1982) começou a trabalhar aos dez anos. Virou humorista, ator, cantor e compositor. Este ano, quando ele completaria 100 anos, foram feitas várias homenagens, mas nenhuma exposição. Ao mesmo tempo, todo o seu acervo pessoal está guardado em caixas, à espera de uma oportunidade para ser instalado de vez em um museu. Até lá, quem quiser visitar uma exposição sobre ele vai ter que fazer as malas: fica em Israel o único espaço dedicado ao cantor. É a Casa de Adoniran, localizada no kibutz Bror Chail, próximo a Tel Aviv.

    Adoniran Barbosa era o nome artístico de João Rubinato, filho de imigrantes italianos. Ele nasceu em Valinhos, a 90 quilômetros de São Paulo, mas depois de alguns anos, acabou levando seu sotaque caipira para a capital. Trabalhou no rádio, participou de programas de calouros e ficou conhecido nos anos 1940 pelos papéis cômicos na televisão e no cinema, que quase sempre zombavam da imagem do rapaz do interior. Aos 42 anos, teve seu primeiro sucesso na música, com “Saudosa maloca”, cantada pelos Demônios da Garoa. O grupo emplacou ainda “O samba do Arnesto”, e em 1964, outro grande sucesso: “Trem das onze”.

    Essas e outras músicas foram lembradas em dezenas de shows realizados este ano. “São tantas homenagens que nem consigo acompanhar. Mas elas estão sendo feitas para aproveitar o centenário. O que me espanta mesmo é ter uma Casa de Adoniran em Israel, e não aqui”, diz Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa, filha do cantor. Antes que surja a dúvida: não, Adoniran não era judeu. O espaço montado em 2008 foi ideia do fã Tzvi Chazan. “Quando jovem, eu trabalhava em uma tapeçaria perto do Viaduto Santa Efigênia. Sempre me lembro da música sobre o lugar”, explica Chazan. O espaço tem fotos, músicas com tradução para o hebraico, livros, discos e instrumentos. Em breve, também será instalado um vagão para lembrar a música “Trem das onze”.

    O acervo de Adoniran foi doado por Maria Helena à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que o expôs no Teatro Sérgio Cardoso e depois no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. “Eles não trataram nem digitalizaram nada. Depois fiquei sabendo que o acervo não ficaria mais exposto. Pedi tudo de volta, e só vou passar adiante se tivermos um espaço fixo”, diz. Agora, o material está sendo tratado pela Universidade de São Paulo (USP), e ficará por lá até ser decidido para onde vai. Quem não quiser esperar nem viajar até Israel tem que ficar de olho nas novidades. Alguns lançamentos estão listados desde o início do ano no site www.adoniran.com.br. Em dezembro, a Aprazível lança Trem das onze, a poética de Adoniran Barbosa, acompanhado de um CD. Já em 2011, São Paulo receberá um musical dirigido por Rubens Ewald Filho. Fora isso, o jeito é percorrer o Bixiga ou ouvir um samba no Brás.