São Paulo à parte

Cássia Chrispiniano Adduci

  • Tela "Colheita do Café" (1903), de Antonio Ferrigno. Para a construção da "pátria paulista", seus adeptos pregavam a adoração do "imigrantismo". (Fundação Biblioteca Nacional)Seria viável uma nação com um povo mestiço e localizada em um país de clima insalubre? Várias alternativas foram apresentadas no contexto da crise do final do Império brasileiro, entre elas a proposta separatista de um grupo de intelectuais paulistas. Para eles, a solução seria emancipar São Paulo do Brasil.

    Representantes dos interesses de parte dos cafeicultores do oeste paulista, os principais idealizadores do movimento separatista foram Alberto Sales (1857-1904), Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1853-1927), Francisco Eugênio Pacheco e Silva (1837-?) e Joaquim Fernando de Barros (1841-1901). Membros de famílias ligadas à economia cafeeira, todos eles estudaram na Faculdade de Direito de São Paulo, escreveram artigos em jornais da época e, com exceção de Pacheco e Silva, exerceram funções políticas, como as de deputado provincial e presidente de província.

    Usando os jornais como principal veículo para divulgar suas ideias, esses intelectuais lançaram mão de vários argumentos. Alberto Sales, no livro A Pátria Paulista (1887), tentou explicar o projeto cientificamente, numa clara influência de Auguste Comte (1798-1857). Para o filósofo francês, a ciência era um poderoso meio de mudança da sociedade e permitia uma análise imparcial, responsável pela manutenção da ordem e garantia do progresso.

    As ideias do filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903), muito utilizadas no Brasil da época, também podem ser percebidas no livro de Sales. Segundo o autor, a evolução social seria resultado de três fatos: a destruição da monarquia, o fim da escravatura e a modernização da economia.  No entanto, diferentemente do que pregava o Positivismo, ele não propunha a liderança de um déspota iluminado – um soberano absoluto, ainda que inspirado por ideias de progresso e reforma. A influência de Spencer ajudava a limitar a atuação do Estado, exigindo funções determinadas para cada órgão, tal como se daria nas sociedades evoluídas. Ao Estado caberia proteger as liberdades individuais.

    Ao analisar a situação política brasileira, Sales se esforçou para explicar a emancipação paulista valendo-se da transição da monarquia para a república. O separatismo estaria ligado à lei evolucionista do progresso social. Assim, associando o separatismo ao evolucionismo, ele procurou destituir o movimento de um aspecto “revolucionário” que poderia amedrontar possíveis adeptos. 

    O caráter “científico” da proposta solucionava outro problema: a questão racial. A noção de nacionalidade, construída ao longo do século XIX, valorizava a história, a cultura e a etnia em contraposição a fatores externos, normalmente representados pelo estrangeiro. Para os separatistas, a integridade nacional era ameaçada por elementos internos: índios e negros. Ignorando a presença desses grupos, a melhor alternativa para a construção da “pátria paulista” era a adoção do “imigrantismo”. Preocupados com a construção de um futuro de “ordem” e “progresso”, os separatistas paulistas, adeptos das teorias racistas do século XIX, que buscavam explicar cientificamente a superioridade racial branca, acreditavam que a entrada de europeus permitiria “melhorar” a nação que pretendiam construir.

    O federalismo foi tema-chave no momento em que se discutiam alternativas à unidade monárquica. Para Alberto Sales e Martim Francisco, ele só poderia ser atingido por meio do separatismo, mas os dois trabalhavam com a ideia de uma federação excludente. A “pátria paulista” não reincorporaria todas as províncias do Império, como definiu Sales: “Para nós, a federação que se formar, depois da separação de São Paulo, não poderá ser senão sulista. O vale do Paraná será o seu corpo geográfico. É esta a nossa convicção e este o nosso vaticínio. Os relevos orográficos do solo, por um lado, e a constituição étnica da população, por outro, nos impõem aquela convicção. Eis o que representa para nós a Pátria Paulista”.

    A opção separatista exigia que se construísse uma nação capaz de se contrapor à brasileira. Com exceção de Martim Francisco, todos os outros membros do grupo defenderam a existência de tradição histórica, caráter, origem, etnia, limites geográficos e identidade de interesses específicos na província. Respondendo a acusações de que a província estaria manifestando “sentimentos egoístas” ao desejar a separação, Joaquim Fernando de Barros expôs sua concepção de nação: “Nunca a filantropia ou a caridade foram bases de solidariedade nacional. Muito diversos são os elos que devem ligar os povos entre si (...). No caso desta nossa província relativamente às outras (falo das que vivem à nossa custa e das nossas irmãs produtoras), não se dá essa reciprocidade – para elas tudo, para nós as honras de bom pagador”. Os paulistas argumentavam que arcavam com os custos econômicos do restante do país. Havia o sentimento de uma exploração por parte das províncias que, em decadência econômica, eram vistas como um entrave ao progresso.

    Para a construção dessa nova nacionalidade, a figura do bandeirante foi fundamental. As características atribuídas a ele foram associadas aos paulistas em geral: iniciativa, audácia, vigor e capacidade de conquistar, espalhando a civilização. Essa figura permitia aliar uma heroica tradição histórica ao território almejado.

    As argumentações separatistas eram voltadas para uma base de apoio restrita ao grupo dominante. Seus defensores não se preocuparam em criar uma proposta de mobilização que envolvesse a população como um todo. Tanto a crítica quanto o suporte às ideias separatistas vinham de dentro da província e de fora dela, repercutindo na imprensa da Corte e de outras importantes cidades paulistas, como Campinas e Santos. Os textos críticos que tiveram espaço nos periódicos se concentraram principalmente no caráter egoísta e utópico da proposta.

    “Ordem” e “progresso” eram desejos não só dos paulistas. Mas, na província, se aliaram a uma busca de autonomia que permitisse gerir seus próprios recursos, ter acesso direto aos créditos internacionais, desenvolver mais intensamente a imigração. Tudo parecia indicar que a forma ideal para essa autonomia ser alcançada era em uma República federalista. Mas alguns não descartaram a possibilidade de a monarquia realizar esse desejo. Outros elaboraram a solução separatista. Se não surgiu qualquer proposta que considerasse o povo, também não foi pensada uma possível estrutura político-administrativa para a implementação do projeto de emancipação. De fato, o separatismo ficou mais como um fator de pressão política para atender aos interesses do grupo dos cafeicultores paulistas por maior autonomia.

     

    Cássia Chrispiniano Adduci, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, é autora de A “Pátria Paulista”: o separatismo como resposta à crise final do Império brasileiro (Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2000).

     

    Saiba Mais - Bibliografia

    ALMEIDA, Tácito de. O movimento de 1887. São Paulo: s/e, 1934.

    COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

    SAES, Décio. A formação do Estado burguês no Brasil (1888-1891). 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.