As rudimentares técnicas de produção do período colonial vinham destruindo rapidamente a paisagem natural do país, e faziam a própria agricultura definhar. Esta era uma das preocupações da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, fundada em 1822 com o propósito de lutar contra o atraso do setor agrícola, por meio da difusão de novas técnicas e tecnologias que garantissem um melhor aproveitamento das terras brasileiras.
A iniciativa de criar uma associação para promover o crescimento econômico veio do influente comerciante Ignácio Álvares Pinto de Almeida. Natural da Província da Bahia, ele pertenceu ao Conselho de D. Pedro I e passou por cargos como o de Deputado Real da Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Em maio de 1820, fez uma reunião em sua residência, onde apresentou a ideia de instituir um conservatório de modelos que pudessem ser expostos ao público, copiados e empregados em benefício da agricultura e da manufatura. Imediatamente, quase 200 nobres aderiram ao projeto.Animado, pouco mais de um ano depois o comerciante solicitou ao príncipe regente a oficialização da sociedade. Mas a decisão só viria após a proclamação da Independência: em 30 de abril de 1825, o documento foi encaminhado ao diretor do Museu Nacional e Imperial, João da Silveira Caldeira, que reconheceu a importância da associação, deu parecer favorável e fixou as obrigações da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) com o Brasil.Não bastava absorver ideias europeias sobre o aproveitamento das riquezas naturais do Império: era preciso adaptá-las à realidade brasileira, concebendo novos estudos com técnicas de plantio, adaptação de culturas e maquinários apropriados ao clima e ao solo nacionais. Para tanto, além do “Museu da Indústria”, a Sociedade promovia aulas públicas com professores de Mecânica, Desenho e Geometria aplicada às Artes, fazia concursos para revelar novos inventores e buscava disseminar essas ideias para outras províncias.Quando foi oficializada enquanto Sociedade, em outubro de 1827, a SAIN ainda não tinha sede. A reunião inaugural foi na casa do próprio Ignácio de Almeida. No mês seguinte, seus associados ganhavam um espaço físico em uma das salas do Museu Nacional, no Campo de Santana. No local foi instalado o conservatório que abrigaria “todos os instrumentos ou máquinas inventadas ou aperfeiçoadas”. Eles eram examinados e copiados com o auxílio dos professores, que uma vez por semana ficavam à disposição do público após as aulas.
A Sociedade também disponibilizava uma biblioteca especializada, uma coleção de produtos naturais e o periódico que passou a produzir a partir de 1833: O Auxiliador da Indústria Nacional. Ainda que pareça contraditório nos dias atuais, o termo indústria, para os membros da SAIN, estava ligado ao desenvolvimento da produção agrícola, carro-chefe da economia na época. Entre eles, havia o posicionamento de que a mão de obra escrava deveria ser progressivamente substituída por homens livres e capacitados para lidar com as novas técnicas e máquinas.Ao contrário dos jornais literários, as páginas do Auxiliador não traziam poesias, notícias sobre a família imperial ou artigo que não estivesse ligado ao avanço das técnicas de produção – principalmente as agrícolas. A publicação divulgou mensalmente notícias sobre as Ciências Naturais e os Machinismos. Foram 708 edições, além de cadernos anuais. O objetivo era mostrar como os campos da Meteorologia, Zoologia, Fisiologia Vegetal e principalmente Química e Botânica poderiam contribuir para melhorar a produção nacional, a saúde, a qualidade de vida e o destino dos “povos civilizados”.O jornal tentava aproximar-se do público leigo, associando o conhecimento científico a questões do cotidiano. Ensinava, por exemplo, métodos para curar a diarreia do gado: “Papel e leite são os unicos ingredientes da composição deste remedio – Ponde papel em leite; fazei o ferver tendo o cuidado de o mecher bem ate que o papel se dissolva. Depois de feito esta especie de caldo, dar se-há ao anila enfermo”.Ainda no plano educacional, a associação atuou na implantação de uma escola agrícola. As discussões começaram em 1836, quando o sócio efetivo Thomé Maria da Fonseca apresentou em plenária um projeto para o estabelecimento de uma Escola Normal (de formação de professores) na fazenda de Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, cujo programa ofereceria uma variedade de métodos e aplicações agronômicos, compatíveis com as variedades de solos e climas brasileiros. Funcionaria também como um laboratório, onde seriam testadas sementes, máquinas e modelos aprovados e comprados pela Sociedade. A inauguração da escola só aconteceu em 1871.
Além do ensino prático-teórico da Escola Normal, a SAIN buscou no ensino fundamental de adultos a formação básica para o preparo da mão de obra urbana do Rio de Janeiro. No mesmo ano de 1871 deu início, já com 120 alunos, à “Primeira Escola Pública Primária do Sexo Masculino da Freguesia do Santíssimo Sacramento”, isto é, uma escola noturna de adultos. Seu programa de estudos incluía o ensino de Noções de Indústria Manufatureira, Desenho Topográfico e Escrituração Industrial Agrícola. O curso era preparatório para os alunos ingressarem na “Escola Industrial”, gratuita e totalmente financiada pela SAIN, com estudos técnico-profissionalizantes dos “diversos ramos da indústria artística e manufatureira”. Nessas escolas eram admitidos apenas homens livres, com pelo menos 14 anos de idade, sem restrições a estrangeiros.Anualmente, a Sociedade Auxiliadora promovia os “Programas de Prêmios” para incentivar com recursos financeiros os inventores de máquinas ou autores de memórias cuja eficácia na produção fosse comprovada pelos seus “censores” da sociedade. Esses concursos preparariam o Brasil para as Exposições Universais. O país chegou a ser convidado para a primeira delas, que aconteceu em 1851 na Inglaterra, mas acabou estreando em solo internacional apenas na The Great International Exhibition, que Londres sediou em 1862.O grande ensaio aconteceu um ano antes, na Primeira Exposição Nacional de “produtos naturais e industriais” brasileiros, inaugurada pelas majestades e altezas imperiais ao som da “Marcha da Indústria”, de Antônio Carlos Gomes. A cargo dos “auxiliadores” ficou a seleção das máquinas, ferramentas e produtos provinciais a serem exibidos. O evento ocupou 24 salas da Escola Central, no Largo de São Francisco (prédio atualmente ocupado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ), com a participação de mais de 430 expositores e cerca de 6 mil objetos, máquinas e ferramentas. Mais 50 mil visitantes puderam ver produtos trazidos de 18 províncias, de todas as regiões do Brasil.Exatos 46 dias depois da exposição nacional, foram enviados para Londres produtos como copaíba, urucum, tintura de arnica e café de várias fazendas do Rio de Janeiro. Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, e Manoel Dias da Cruz, dono de um armazém no Rio de Janeiro, expuseram uma coleção de madeiras brasileiras. No evento do Palácio de Exposição da Indústria e das Artes (hoje ocupado pelo Museu de História Natural e pelo Museu da Ciência da Inglaterra) também foram exibidas máquinas e utensílios, como panelas de pedra e moendas de ferro para cana movidas a vapor. O Brasil estava, finalmente, entre os 37 países representados e os 29 mil expositores da indústria mundial, recebendo 36 medalhas e 34 menções honrosas.A Sociedade Auxiliadora chegou ao fim junto com o Império. Às voltas com debates pela defesa do mercado interno e da indústria nacional, suas atividades foram minadas por desentendimentos internos acerca da necessidade de implementação de uma economia protecionista – para que o Brasil abandonasse o caráter colonial agro-exportador e alcançasse um patamar de progresso e civilização aos moldes das nações europeias daquele final de século. Em 1892, três anos após a Proclamação da República, todas as verbas destinadas à publicação do Auxiliador e à escola noturna foram cortadas. Suas principais atividades haviam sido finalizadas e seus associados já não compunham mais o poder do Estado. Muitos migraram para o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão, que muito depois daria origem à Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) – hoje a maior curadora dos documentos e das ideias daqueles homens, que procuraram fomentar uma nova mentalidade na vida econômica nacional.Patrícia R. C. Barreto é pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins, professora do Colégio Militar do Rio de Janeiro e autora da tese “Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional: O Templo Carioca de Palas Atena” (PHCTE/UFRJ, 2009).Saiba MaisCARONE, Edgar. O Centro Industrial do Rio de janeiro e sua importante participação na economia nacional (1827-1977). Rio de Janeiro: CIRJ/Cátedra, 1978.DANTES, Maria Amélia M. (org.). Espaços da Ciência no Brasil: 1800-1930. Rio de Janeiro:Fiocruz, 2001.LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização no Brasil: 1808 a 1930. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.STRAUCH, Paulo Cesar. Pindorama e o Palácio de Cristal: um olhar sobre a exposição de Londres de 1851. Rio de Janeiro: E-papers, 2008.
Sementes de inovação
Patrícia R. C. Barreto