Sobe o pano!

Lia Jordão

  • Imagem: FBNOs jornalistas Henrique Pongetti (1898-1987) e Joracy Camargo (1898-1973) já eram autores renomados de teatro adulto e infantil quando lançaram o livro Teatro da criança, publicado pela José Olympio em 1938. Ao que parece, levavam a sério o ditado que diz que “é de pequenino que se torce o pepino”, já que a obra se junta a muitas outras que pretendem transmitir valores e contribuir para a construção de identidades políticas e culturais. A ideia era inculcar esses nobres valores nos pequenos ainda na mais tenra infância.

    O livro, guardado na Divisão de Obras Gerais da Biblioteca Nacional, tem uma primeira parte dedicada às explicações detalhadas de uma produção teatral. O processo vai desde a construção de um palco até a encenação propriamente dita, passando por cenário, figurino, iluminação, caracterização e ensaios.

    Os autores lembram que não é necessário ter um palco de verdade, pois as peças podem ser encenadas em diversos ambientes, como salões, alpendres, quintais e até mesmo garagens, bastando fazer algumas adaptações, “aproveitando-se inteligentemente as condições do local”. Por outro lado, a descrição dos itens que formam o palco é minuciosa: são necessárias coxias à direita e à esquerda, um tablado que começa no “arco cênico” – que deve ser coberto por um tecido grosso –, e vai até a ribalta ou rampa de luzes, cumprindo a função de separar o palco da plateia. Os autores seguem explicando como o cenógrafo deve estudar o texto e apresentar uma proposta que deverá ser aprovada pelo diretor. A descrição da iluminação também não é lá muito simples: pode ser composta de lâmpadas da ribalta, gambiarras laterais e do alto, e por refletores móveis. Para dar cores, o iluminador pode recorrer a pedaços de celofane coloridos posicionados à frente das lâmpadas.

     Palco, cenário e iluminação prontos, é hora de ensaiar! O ensaiador, ou diretor de cena, é assessorado pelo contrarregra e pelo “ponto”, que naquele tempo, obviamente, não era eletrônico: era uma pessoa “soprando” o texto para os atores esquecidos. Todos os detalhes devem ser ajustados: adereços de cena, guarda-roupa, cabeleiras e caracterização. Os autores ensinam até a fazer perucas, e sobre a maquiagem, alegam ser importantíssima para “transformar moços em velhos, gente bonita em gente feia e vice-versa”, embora admitam que “transformar gente feia em gente bonita é, evidentemente, mais difícil”.

    Os ensaios passam por diversas etapas: leitura coletiva em voz alta, distribuição de papéis, marcação das falas e o momento de cada um entrar em cena. Depois vêm os ensaios de marcação, que priorizam a movimentação cênica. Nos ensaios gerais, a coisa é pra valer! Tudo tem que estar pronto, inclusive figurinos e caracterização, roteiro de luzes e de movimento das cortinas.

    Lição aprendida, seguem-se os esquetes. São 18 histórias variadas, pautadas por mensagens subliminares de caridade e bom comportamento. Em “Com a rainha é assim”, uma rainha recebe a notícia de que as mães pobres do reino estão tramando uma revolução. Ela se apavora: “Uma revolução! E o senhor sabia que só as revoluções e as baratas me fazem tremer!”. Ao saber que as criancinhas não têm o que vestir e estão passando frio, a rainha, comovida, resolve cortar as caudas de todos os seus vestidos a fim de fazer roupinhas para as crianças. Superada a crise, a rainha é ovacionada com “Vivas!”.

    Já no esquete “Os filhos da lavadeira”, três crianças ricas, penalizadas com o fato de os filhos da lavadeira não terem recebido a visita de Papai Noel na véspera, colocam todos os seus brinquedos na trouxa de roupa suja levada pela lavadeira. A mentira também era condenada pelo manual, como aparece em “O gazeteiro”, quando um menino finge estar doente para matar aula. Resultado: além de amargar colheradas de óleo de rícino, perde uma distribuição de brinquedos na escola. Arrependido, resolve então que nunca mais vai deixar de ir às aulas sem motivo.

    Não falta nem a introdução de ideais nacionalistas, feita no episódio “O fantasma”: os meninos Nico, Zuca e Lulu, insones, podem ficar acordados até mais tarde, com o consentimento dos pais... cantando animadamente o Hino à Bandeira, sem medo de fantasmas.

    Outro eixo importante é a brincadeira com o próprio fazer teatral. São esquetes nos quais o tema é a própria montagem da peça de teatro. Em “A derrota de Sherlock Holmes”, o detetive investiga a cena do crime até mexer no cadáver. Durante a encenação, o ator mirim Tonico não aguenta de cócegas e “ressuscita” com uma gargalhada, estragando toda a cena.