O mapa do tesouro indica um solar construído por jesuítas, no século XVII, no norte do estado do Rio de Janeiro. Mas ali não há ouro nem joias. A antiga fazenda em Campos dos Goytacazes é sede do Arquivo Público Municipal, criado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) em 2002. Nela está um acervo que, colocadas as pastas lado a lado, chega a 600 metros de prateleiras ainda pouco conhecidas por pesquisadores. São jornais locais, coleções particulares, documentos de atividades comerciais, da Câmara e do Fórum da cidade. Até outubro, a equipe do arquivo pretende lançar um catálogo com mais de quatro mil processos de testamento restaurados, que datam do século XVIII.
“O material foi pouco estudado, principalmente o que se refere à área criminal. Temos de 35 mil a 40 mil processos, e também 130 livros de registros do Cartório do 2º Ofício, do século XIX”, conta Carlos Freitas, diretor do Arquivo Público Municipal. Entre os papéis pouco conhecidos do acervo também estão documentos dos séculos XVIII e XIX relativos ao período escravista. São multas por infração de postura, ações de liberdade e devoluções de escravos, entre outros. “Temos muita coisa sobre o tema; acho que é o que mais chama atenção no acervo. Até porque, em 1880, Campos tinha o maior número de escravos da província do Rio de Janeiro. A cidade viveu seu esplendor econômico no século XIX por causa da cana-de-açúcar”, diz Lana Lage, uma das idealizadoras do Arquivo Público.
Lana era pró-reitora de extensão e assuntos comunitários da Uenf quando decidiu instalar o arquivo no solar. “Eu senti na pele a falta que um arquivo desses faz. O meu mestrado foi sobre rebeliões escravas em Campos, e tive muita dificuldade para encontrar documentos”, conta ela. O prédio já havia sido restaurado quatro anos antes, quando o idealizador da Uenf, o antropólogo Darcy Ribeiro, teve a ideia de criar ali a Escola Brasileira de Cinema e Televisão. “O projeto não saiu do papel e o solar ficou fechado. Nós fizemos algumas reformas e garantimos a preservação”, diz Lana.
Erguido entre 1650 e 1690, o solar já havia sido abandonado na década de 1980, quando acabou sendo saqueado e perdeu lavabos de mármore e até tábuas do assoalho. Os ladrões não respeitaram nem os mortos. “Saquearam as lápides da família que foi proprietária da fazenda e da heroína Benta Pereira, que estão na capela”, conta a pesquisadora Rafaela Machado. Aos 72 anos, Benta Pereira (1675-1760) liderou uma revolta contra o donatário da capitania de Paraíba do Sul, que cobrava altos impostos e havia ultrapassado o limite de suas terras. Hoje, no mesmo local onde repousa um dos grandes símbolos da região, visitantes podem aprender sobre a história de Campos, seja em documentos, seja em cada cômodo do antigo solar.
Serviço:
O Arquivo Público Municipal fica na Estrada Sérgio Viana Barroso, 3060 – Goytacazes.
Funciona de segunda à sexta, das 9h às 17h.
Mais informações: http://www.arquivodecampos.org.br/
Solar revelado
Cristina Romanelli