Soltando o verbo

Juliana Barreto Farias

  • Da língua ferina de Bento Teixeira (c. 1561-1600) saiu Prosopopéia, o primeiro poema épico publicado em solo brasileiro. Da pena da escritora Miriam Halfim sai agora a peça “O língua solta”, que conta as peripécias deste cristão-novo perseguido pela Inquisição no Brasil. Com estreia marcada para o dia 22 deste mês no Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro, o espetáculo é uma espécie de biografia fictícia do poeta. 

    Português que chegou às terras brasileiras com apenas seis anos de idade, Bento Teixeira teve uma trajetória recheada de aventuras e contratempos. Depois de perder os pais ainda jovem, teria sido acolhido por jesuítas no Colégio da Bahia. Mais tarde, ficou conhecido por seu amor por bebidas e mulheres. Em Ilhéus, casou-se, em 1583, com a fogosa cristã-velha Felipa Gavião. Sabendo de suas traições, acabou assassinando a esposa e pedindo refúgio no Mosteiro de São Bento de Olinda. Foi preso ali mesmo pela Inquisição, em agosto de 1595, sob acusação de judaísmo. Transferido para Lisboa, renegou os preceitos judaicos, recebeu doutrinação católica e ganhou a liberdade condicional em 30 de outubro de 1599. Mas já era tarde demais. Doente, morreu na cadeia alguns meses depois.

    Como boa parte da vida do poeta continua desconhecida para os pesquisadores, Miriam Halfim procurou combinar investigação histórica com doses de imaginação. “É um traçado romanceado que surge de pesquisas variadas, incluindo o Livro das Denunciações de Perseguições de Pernambuco, Gente da Nação, de José Antonio Gonsalves, e Bento Teixeira, o primeiro brasileiro, de Gilberto Vilar. Tentei abarcar, a partir de dados reais, alguns dos aspectos mais importantes da vida do bardo pernambucano”, conta a dramaturga.

    Não é a primeira vez que Miriam envereda pela História. Em 2004, escreveu Senhora de Engenho – Entre a Cruz e a Torá, recontando a vida de Branca Dias, outra cristã-nova, que chegou ao Brasil por volta de 1550 e foi denunciada ao Santo Ofício por várias pessoas de Pernambuco, inclusive suas ex-alunas. No ano passado, ganhou o Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia com a obra Ecos da Inquisição, em que mistura as histórias do padre Antônio Vieira e de Antônio José da Silva, mais conhecido como O Judeu. “Em todas essas peças, o tratamento do tema explora o humor, pois sendo o caso da Inquisição especialmente de cunho doloroso, o riso torna o texto, à primeira vista, mais palatável para o espectador, levando-o depois a pensar”, completa.