O Guinness – o livro dos recordes – é repleto de fatos e feitos triunfais. Lá estão listados o homem mais alto do mundo, o mais gordo, o mais forte, o mais rápido, o mais rico. Há recordes inusitados, como o do australiano que, sozinho, puxou um Boeing 747-400 por quase 100 metros; ou o do americano com a inigualável habilidade de beber um frasco de ketchup em 33 segundos. De canudinho.
Mas um brasileiro foi na contramão dos megalomaníacos e lutou a vida inteira para que seu semanário conseguisse o inusitado título de... “Menor jornal do mundo”. Fundado em 1935, o jornal Vossa Senhoria sempre ostentou o seu “pequeno” recorde, mas sem saber, de fato, se o detinha. Aos poucos, a resposta foi chegando: em 1997, medindo 7,5 centímetros por 5 centímetros, o jornal foi declarado o menor do Brasil. E em 2000, com 2,5 centímetros de largura por 3,5 centímetros de altura, ele foi definitivamente agraciado com o título de “menor jornal do mundo” – com direito a certificado do Guinness.
A Biblioteca Nacional tem a coleção praticamente completa do pequeno jornal surgido há sete décadas na cidade de Goiás, antiga capital do estado do mesmo nome, e publicado até hoje em Divinópolis, Minas Gerais. De lá para cá, ocorreu uma estranha equação no periódico: a equipe aumentou e o tamanho diminuiu.Tudo em nome do recorde.
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O Vossa Senhoria foi criado pelo jornalista Leônidas Schwindt. Em 1946, Schwindt se mudou de Goiânia para Pará de Minas, levando toda a sua redação (que, na época, se resumia a ele). Nos dez anos seguintes, o jornal teve sede em Abaeté, Belo Horizonte e Pitangui, declarando-se sempre um “semanário mineiro de âmbito nacional”. Assim, nas poucas linhas que nele cabiam, o Vossa Senhoria declarava sua indignação em relação à política federal, como estampou na primeira página de 18 de dezembro de 1955: “O Congresso já vai ser convocado para o dia 26 vigente, em reunião extraordinária que deverá ir até 15 de março vindouro. Com tal resolução, o país vai pagar aos respeitáveis legisladores a pequena quantia de 26 milhões de cruzeiros pelos seus grandes serviços extraordinários. Interessante é que, se tal convocação fosse automática, isto é, iniciada a 16 do mês corrente, a nação não seria sangrada em tantos milhões que lhe fazem tanta falta.”
Para contrabalançar o peso político, o Vossa Senhoria trazia notícias literalmente condizentes com sua estatura. Assim, na mesma edição, ele publicou uma lista de “grandes homens pequenos”, que ia de Wagner a Rui Barbosa. Dessa forma, o leitor ficava sabendo que Balzac e Beethoven mediam 1,63 metro – homens altos, se comparados ao 1,57 metro atingido pelo filósofo Kant e pelo imperador Napoleão Bonaparte. Constavam da lista, ainda, nomes como Newton, Edgar Alan Poe e Descartes, senhores “fisicamente pequenos, porém gigantes intelectuais.”
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Para se sustentar, o Vossa Senhoria pedia, a cada edição, que seus leitores cooperassem para a “manutenção patriótica do menor jornal do mundo”. Para tanto, havia um sistema de assinatura anual. O jornal enfatizava: não trabalhava com venda avulsa. Ou a pessoa o comprava por um ano ou não levava nada. Certa feita, um deputado – “o amigo e confrade Paulo Pinheiro Chagas” – resolveu assiná-lo por dez anos. A notícia foi publicada em página inteira.
O patriotismo era o alicerce em que o semanário se apoiava para aumentar o número de leitores. De quando em quando, ele vinha acompanhado de uma pequena carta intitulada “Cooperação patriótica”, na qual pedia ao leitor – que já possuía assinatura – que pagasse pelo envio do jornal para mais cinco pessoas, “pela manutenção de um privilégio do Brasil”.
O privilégio brasileiro de ter o menor jornal do mundo foi interrompido em 1956, quando Leônidas Schwindt fechou as portas do Vossa Senhoria para abrir um jornal maior, o Diário do Oeste. Esse intervalo duraria até 1985, quando o periódico foi reaberto por Dolores Schwindt, filha de Leônidas. A primeira página dizia que o sonho de Leônidas se tornava realidade: “O Vossa Senhoria – o menor jornal do mundo – volta a circular após 28 anos. Ele existiu em 1935, na cidade de Goiás, como jornal literário. Voltou em 1946, em Pará de Minas, como jornal combativo em defesa da população”.
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No seu segundo retorno, no entanto, o Vossa Senhoria tratou menos dos problemas da população e mais das próprias conquistas. A partir de 1998, ele começou a vir com o subtítulo “destaque Guinness Book 97/98”, ou com a frase “Guinness Book não é para quem quer. É para quem pode”. Em março de 2000, a principal notícia – que ocupava metade da primeira página – dizia que “em 1997, Divinópolis, pela primeira vez, entrou para o livro dos recordes através do micro-jornal Vossa Senhoria”. No mês seguinte, a manchete era parecida: “A partir de abril de 2000, o jornal passou a vir com um caderno de 2,5 cm por 3,5 cm, entrando definitivamente para o Guinness”. Mas se seu formato reduzido o tornava notório, ele também o privava de espaço para textos – o periódico continuava conhecido pela excentricidade e não pela qualidade. Talvez por isso, a edição de abril de 2000 trouxesse uma espécie de desabafo: “Vossa Senhoria desafia a lei das proporções; quanto mais diminuto, maior é a fama! Hoje ele é reconhecido no mundo todo – só em Divinópolis ainda não houve o devido acatamento”. Prova de que tamanho não é documento. Mas que documento precisa de tamanho.
A Divisão de Periódicos da Biblioteca Nacional tem uma pequena exposição sobre o jornal Vossa Senhoria. Mais informações pelo e-mail periodicos@bn.br.
A assinatura do Vossa Senhoria custa R$ 25,00 por ano para o Brasil e US$ 30,00 para outros países. Mais informações no sitewww.vossasenhoria.com.br.
Tamanho não é documento
Roberto Kaz