Tropicalismo resgatado

Cristina Romanelli

  • O quarto lugar no III Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, é anunciado. Caetano Veloso, acompanhado pela banda de rock argentina Beat Boys, aguarda até que o público se acalme. A rejeição é grande – muitos consideram a guitarra elétrica um símbolo da dominação cultural estrangeira. Mas no final da apresentação de “Alegria, Alegria”, quase todos pedem bis. Esta canção e “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, marcaram naquele ano o início do Tropicalismo, movimento que misturou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas. Mais de quatro décadas depois, é feito o primeiro documentário exclusivo sobre o movimento, com direito a arquivos domésticos e depoimentos de Caetano e outros artistas. “Tropicália”, de Marcelo Machado, chega aos cinemas de todo o país até junho. 

    “Muitas produções tangenciaram o tema, como ‘O Morcego na Janela’, ‘Palavra Encantada’ e ‘Uma noite em 67’. Mas nunca houve um documentário exclusivo sobre o Tropicalismo. Pretendemos ser referência para quem estuda o assunto”, conta Machado.

    O filme tenta fazer um painel do movimento de 1967 a 1969, incluindo sua presença no cinema, no teatro e nas artes visuais. “Todos estavam dialogando... Tinha Rogério Duprat, músico de formação erudita, poetas, como Capinam, que faziam as letras de muitas canções, e o cineasta Glauber Rocha, que em 1967 lançou ‘Terra em Transe’ e escreveu que se sentia tropicalista. No mesmo ano, o artista plástico Hélio Oiticica fez uma exposição chamada ‘Tropicália’”,lembrou a antropóloga Santuza Cambraia Naves (1953-2012), autora de “Da bossa nova à tropicália” (2001) em entrevista à RHBN no início de abril.

    Segundo Santuza, os tropicalistas queriam incorporar a cultura de massa e as informações estrangeiras, já tão presentes na sociedade, e processá-las com elementos locais, criando algo diferente. O filme tenta mostrar essa mistura, com  base em filmagens de outros cineastas, como Pedro Vieira e Silvio Da-Rin, e de muito material de arquivo. “Tivemos que correr atrás de vários arquivos pessoais, já que muita coisa foi apagada. Fernando Faro, da extinta TV Tupi, disse com tristeza que apagou as gravações do programa ‘Divino Maravilhoso’, no qual os tropicalistas apareceram muitas vezes. No programa, tudo era falado abertamente, e ele teve medo que as fitas incriminassem as pessoas durante a ditadura militar”, conta o diretor.

    Um dos achados foi a coleção de fotos do discurso de Caetano no Festival Internacional da Canção de 1968, após ter sido vaiado ao cantar “É proibido proibir”. “Só existe o áudio do discurso, a Globo não salvava os vídeos que não eram das eliminatórias”, diz Machado. A solução estava no arquivo da viúva de um fotógrafo da época: “Conseguimos fazer uma animação a partir das fotos que ela guardava. Algumas são inéditas”, afirma o diretor.