Ultrapassando a muralha

Déborah Araujo

  • Imagem: reproduçãoA China tem se destacado economicamente nos últimos anos. E parece pretender o mesmo no campo da cultura. O governo chinês anunciou no dia 24 de fevereiro o objetivo de abrir centros culturais no Brasil, Chile e Argentina. São 14 ao redor do mundo, e o objetivo é chegar a 50 até 2020. A embaixada da China em Brasília confirmou que está negociando com o Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores brasileiro a abertura do primeiro centro cultural chinês no país já para 2015.

    “A construção dos centros é importantíssima para a quebra da grande barreira que ainda existe entre Brasil e China”, declara o professor Amauri Santos, do curso de mandarim do Centro Cultural China Brasil Yuan Aiping, que, apesar do nome, não tem ligação com o governo chinês.

    De acordo com o professor de Língua e Literatura Chinesa Antonio Menezes, da Universidade de São Paulo (USP), há dois motivos para existir essa muralha entre Brasil e China. A imigração chinesa no século XIX, que foi “inconstante e relativamente reduzida - se comparada ao que aconteceu com os Estados Unidos - de tal forma que no Brasil nunca se formou uma Chinatown”. “No final do século XIX, a opção de substituir a mão de obra escrava por trabalhadores chineses foi descartada após intenso debate no parlamento brasileiro, o que ficou conhecido como a ‘Questão Chinesa’”, explica o pesquisador.

    O segundo motivo, afirma Menezes, é a crítica de filósofos como os alemães Hegel e Nietzsche ao pensamento chinês. “Vale lembrar que nem sempre foi assim. Entre o século XVI e XVII, as obras chinesas traduzidas pelos missionários jesuítas causaram profunda impressão em pensadores como Leibniz e Kant”, acrescenta o pesquisador.

    Ainda assim, esses problemas históricos não impediram artistas chineses de deixar suas marcas no Brasil, como o mestre Chang Dai-chien (1899-1983). “Foi dos maiores pintores chineses dos últimos 200 anos, de renome mundial, além de grande conhecedor, colecionador e imitador de pinturas chinesas clássicas. Ele viveu muitos anos no Brasil, onde pintou muitas de suas melhores obras”, declara o historiador de arte José Roberto Teixeira Leite, da Universidade Estadual de Campinas.

    Outra importante figura foi o discípulo de Chang, professor Sun Chia Chin (1930-2010), que lecionou Língua e Literatura Chinesa na USP, de 1968 a 1992. “A obra artística de Sun foi amplamente reconhecida e recebeu uma grande exposição no National Palace Museum de Taipei, capital de Taiwan, que abriga a maior e mais importante coleção de arte chinesa do mundo”, acrescenta o professor da USP Antonio Menezes.

    Para ele, o extraordinário crescimento econômico da China nas últimas décadas propiciou o maior interesse pela cultura do país. “Embora as universidades brasileiras acompanhem mais lentamente esse processo, pouco a pouco uma nova geração de especialistas e tradutores vai se formando, o que é muito importante para o aprofundamento das relações sino-brasileiras”, completa Menezes.