Fogos de artifício, paradas militares, desfiles de autoridades, jantares fartos e, como não poderia faltar no mundo português, missas solenes. O nascimento de um herdeiro da Casa Real era um acontecimento que devia ser comemorado nos quatro cantos do Império. No Antigo Regime, as festas constituíam um assunto muito sério, pois através delas eram veiculadas algumas das mais fundamentais crenças em que assentava a vida em sociedade. A festividade recriava, de forma alegórica, a ordem estabelecida e a hierarquia vigente, contribuindo decisivamente não só para a confirmação dessa mesma ordem, mas também para a sua perpetuação. As festas selavam compromissos, confirmando direitos e instaurando deveres para todos aqueles que dela participavam.
Na noite de 21 de março de 1795, a alegria tomou conta mais uma vez de Portugal e dos territórios do ultramar. Havia nascido o primeiro filho varão do príncipe-regente d. João. Era uma criança há muito esperada. A gravidez da princesa do Brasil, d. Carlota Joaquina, foi problemática: a gestante sofria de febres e o apartamento que ocupava no Palácio de Queluz ardeu misteriosamente em chamas. Em agradecimento pelo sucesso do parto, o nome escolhido para criança seria de dois santos: Antônio Francisco de Assis, e ainda no berço recebeu o título de príncipe da Beira.
A data da cerimônia de batismo gerou uma breve polêmica. Segundo a tradição, os príncipes eram levados até a pia batismal ao oitavo dia de vida. Em 1795, o oitavo dia após o nascimento de d. Antônio caía no Domingo de Ramos, marco litúrgico a partir do qual ficavam vetadas as celebrações de batismos solenes. Assim, a tradição foi quebrada e o batismo foi realizado no quarto dia do mês de abril – um Sábado de Aleluia –, exatas duas semanas após o nascimento.
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A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro tem, em seu acervo, a única descrição das festividades realizadas naquela distante manhã de abril. São documentos raríssimos: um códice de 14 folhas de bom papel encorpado, com 28,5 centímetros de altura por 20,5 de largura, com dois desenhos em encartes desdobráveis, tudo em bem conservada encadernação oitocentista, guardado na Divisão de Manuscritos. Com lindas iluminuras, o livrinho relata minuciosamente os preparativos no Palácio de Queluz, identificando os participantes e as funções de cada um dos envolvidos na cerimônia: o Marquês de Valença levava a Coroa de Maçapão, o Marquês das Minas a Veste Cândida, o Duque de Candaval o círio régio. O principizinho era conduzido pelo Mordomo-mor. Segundo o relato “logo foi conduzido o Sereníssimo Batizando, e lhe foi conferido o Sacramento do Batismo; depois do qual se retirou para o leito, e o Eminentíssimo Patriarca entoou o hino Te Deum Laudamus, que continuaram os músicos, a cujo tempo por girândolas de fogo se fez sinal à Torre Patriarcal por cujo aviso repicaram todas as igrejas da cidade e salvaram o Castelo, Torres, e Esquadra. Acabado o dito hino cantou o Eminentíssimo Patriarca os Versos, e Orações de ação de Graças, e concluiu esta ação dando a benção Pontifical”.
Já na Divisão de Iconografia há três preciosos desenhos coloridos relativos ao mesmo cerimonial. Representam cortejos de personagens a caminho de Queluz. São de formato retangular, em papel semelhante ao do códice, e tão compridos que a Biblioteca, para lhes resguardar a integridade, os apresenta enrolados e atados com um cordão, em três pequenos cilindros. Neles estão representados vários membros da Corte dispostos ao longo do cortejo, como o Mordomo-mor, no seu coche em traje de gala e o capelão portando a cruz patriarcal.
Nessas gravuras vemos os últimos faustos de uma corte que em 1808 desembarcaria no Brasil, sem pompa, mas com muita circunstância. Definitivamente não se fazem mais festas de batizado como antigamente.
(Por Nelson Cantarino)
Um batismo para a posteridade
Revista de História