Um clássico para o desenvolvimento

Bernardo Camara

  • Com apenas 17 anos, Celso Monteiro Furtado registrou em seu diário a vontade de escrever um livro. O assunto? A história da civilização brasileira. Se não chegou a cumprir o ambicioso projeto da adolescência, alguns anos depois ele produziu outros livros, igualmente ousados. Um deles, Formação Econômica do Brasil, acaba de completar 50 anos. E não sai da cabeceira de economistas, historiadores e cientistas sociais.

    Considerada um clássico, a obra mais marcante de Furtado chega à quinta década e ganha edição comemorativa pela Companhia das Letras. Com uma série de palestras e seminários organizados por conta da ocasião, não resta dúvida: não há economista que tenha recebido o diploma sem passar os olhos por ela.

    “Esse livro foi um andaime no qual subi para chegar à percepção e ao entendimento que tenho do Brasil”, disse Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, no lançamento da edição, que aconteceu no mês passado na Academia Brasileira de Letras.

    Com uma visão apurada sobre o subdesenvolvimento brasileiro, Furtado descartou a teoria econômica europeia ao estudar o caso tupiniquim. Ele tratou de olhar as especificidades daqui, em suas estruturas sociais, políticas e institucionais. Assim, uniu a investigação histórica à análise econômica – duas coisas que costumavam andar separadas na vida dos economistas –, e essa metodologia foi uma inovação na época.

    “Formação é o primeiro momento de aplicação sistemática da teoria econômica na interpretação da história brasileira. Furtado mostra que a compreensão da economia carece centralmente da reflexão histórica”, analisa o economista Alexandre Mendes Cunha, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A obra dele é uma busca de respostas do início ao fim. Ele tinha um ideário fundamental na superação do subdesenvolvimento”.

    Tão logo chegou às livrarias, a publicação foi um sucesso, e passou a ser uma espécie de bíblia dos desenvolvimentistas. As teorias de Furtado se enlaçavam com a escola estruturalista, da qual dividiu a paternidade com o argentino Raul Prebisch, e que resultou na criação da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (Cepal), em 1948. Dali e de suas páginas saíram as diretrizes que seriam adotadas na região.

    “Praticamente toda a política econômica da América Latina seguiu os delineamentos dos pensamentos cepalinos”, observa Francisco de Oliveira, autor de Navegação venturosa – Ensaios sobre Celso Furtado. “No caso do Brasil, as orientações que Furtado propunha em Formação Econômica só mudam de rumo no fim dos anos 80, com a onda do neoliberalismo”.

    Hoje, a obra, que já foi traduzida para nove línguas, ainda é leitura obrigatória nos cursos de Economia. Algumas de suas propostas foram superadas pela chegada da economia globalizada. Ainda assim, Formação Econômica do Brasil consegue manter sua imortalidade. “Depois dele, não há nenhuma interpretação da economia brasileira que seja tão abrangente”, assegura Oliveira. “E se não podemos mais considerá-lo como um ponto de chegada, ele é, então, o ponto de partida para se entender melhor o Brasil”.