Um século em movimento

Cristina Romanelli

  • É difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido “Ai, que saudades da Amélia”, composta por Mário Lago (1911-2002) em parceria com Ataulpho Alves há quase setenta anos. Lago também teve destaque como ator no rádio, no teatro, no cinema e na televisão, em novelas como “Selva de Pedra” (1972) e “O Clone” (2001). No ano de seu centenário, programações igualmente variadas estão sendo planejadas, como o lançamento de dois CDs, uma exposição no Arquivo Nacional e vários shows. Tudo foi idealizado por seus filhos, que também buscam patrocínio para um documentário, a ser dirigido por Marcos Abujamra, e para montar pela primeira vez, em Salvador, “Foru Quatro Tiradente na Conjuração Baiana”, escrita por Lago sobre a Revolta dos Alfaiates.


    [Mário Lago entre Glória Menezes e Tarcísio Meira na novela "Cavalo de aço", de 1973 / Divulgação]

    “Papai não era de ficar parado, de sentar e ver o bloco passar. Por isso criamos o projeto ‘Mário Lago – Homem do Século 20 – Memória em Movimento’. Vamos mostrar Mário Lago hoje, atualizado”, diz Mário Lago Filho. Pensando nisso, artistas como Frejat e Lenine foram convidados para gravar músicas inéditas do compositor. O CD será distribuído gratuitamente em bibliotecas, escolas de música e rádios, assim como outro só de marchinhas, que será gravado pelo grupo Cordão do Boitatá.

    O Rio de Janeiro terá vários shows no segundo semestre. Mas como o dia do centenário, 26 de novembro, cai num sábado, os filhos-produtores estão negociando uma homenagem conjunta em todas as casas de samba da Lapa, bairro boêmio do Rio de Janeiro. Na mesma época, também deverá ser lançado um livro que reúne três publicações de Mário Lago. “Vamos juntar os livros de reminiscências dele, que contam desde os primeiros anos de vida, com textos inéditos”, diz Mário Lago Filho. Fora isso, os Correios lançarão um selo para o centenário, e uma exposição com o acervo pessoal do artista será organizada no Arquivo Nacional.

    “Moramos por 30 anos num apartamento alugado. Quando papai morreu, tivemos que sair rapidamente. As coisas estavam todas bagunçadas, porque ele era muito desorganizado. O Arquivo Nacional se ofereceu para catalogar e cuidar de tudo”, conta Graça Lago, filha do artista. A doação do acervo está sendo oficializada e deverá compor uma exposição em novembro. “Temos peças de teatro inéditas, fotos, discos, muitas cartas que ele enviou para a mulher e os filhos enquanto estava na prisão, e até a cópia dos prontuários dos processos dele no Deops”, conta Beatriz Moreira Monteiro, supervisora da equipe de Documentos Privados do arquivo.

    Lago foi preso sete vezes. Em sua casa, não era difícil esbarrar com Carlos Marighella ou Apolônio de Carvalho, militantes comunistas. “Ele se metia em tudo, era um curioso. Em 1930, entrou para o movimento político. Atuou no Partido Comunista por muitas décadas”, conta Mônica Pimenta Velloso, historiadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e autora de Mário Lago: boemia e política (2007). Na mesma década, Lago entrou para o teatro de revista, e poucos anos depois, em 1936, fez sua primeira composição, “Menina, eu sei de uma coisa”, com Custódio Mesquita. Na década de 1940 já fazia sucesso na Rádio Nacional e em 1966 estreou na telinha. Também atuou em mais de vinte filmes. Segundo Mônica, Lago afirmava que esse trânsito entre profissões aconteceu “por influência de bons livros, de autores como Marx e Lenin, e por causa dos amigos músicos, com quem ganhou as ruas”.