Uma aposta em grande estilo

Roleta, bacará, caça-níqueis, pôquer, blackjack, jogo de dados. Durante o Estado Novo (1937-1945), ao contrário do que acontece hoje, quem quisesse apostar algumas fichas não precisava viajar para outros países ou embarcar em cruzeiros marítimos. Afinal, foi nessa época que os cassinos proliferaram e fizeram muito sucesso no Brasil. Mas como revela um exemplar de 1938 do Programa do Cassino da Urca, guardado na Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional, esses locais também tinham um farto roteiro de espetáculos artísticos, além da alta gastronomia, o que os tornava uma tentação para a elite carioca. Segundo as más línguas, o Rio de Janeiro havia se transformado na capital da jogatina.

O Cassino da Urca abriu as portas em 1933. Para melhor tocar o negócio, o empresário Joaquim Rolla (1899-1972) fez questão de contar com os melhores arquitetos, cenógrafos, diretores de arte, músicos e cantores à disposição. As instalações do prédio do Hotel Balneário da Urca, construído em 1922 para receber visitantes da Exposição Universal daquele ano, passaram por uma grande reforma, ganharam confortáveis salões, com suntuosa decoração art déco e, com isso, novos ares. Em 1936, o Cassino se tornou um dos principais pontos de encontro dos cariocas abastados. Várias celebridades internacionais, como Orson Welles e Walt Disney, chegaram a frequentar o local, assim como o próprio presidente da República. Daquele palco, artistas como Virgínia Lane, Dick Farney, Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Grande Otelo e, principalmente, Carmen Miranda foram alçados ao estrelato.

O Programa de 1938 apresenta as principais atrações musicais e teatrais que passaram pelos palcos da casa ao longo da temporada. O elenco nacional tinha grande destaque no cassino, que mantinha pelo menos duas orquestras permanentes. Além das formações comandadas por Romeu Silva e Vicente Paiva, outra atração fixa da casa em 1938 era o Ballet Urca, com cerca de 40 bailarinas. Já a popular cantora Linda Baptista seria crooner do Cassino da Urca até seu fechamento.

Um dos destaques internacionais daquele ano foi Raquel Meller,cantora e atriz espanhola de musicais e revistas de grande sucesso. Além dela, as dançarinas do grupo londrino Grosvenor House Girls ocupam um bom espaço na publicação, com muitas fotografias que revelam seus glamourosos figurinos. O trio acrobático americanoHarris Twins and Loretta, por sua vez, é descrito como “um dos maiores sucessos da última temporada elegante de Londres”.

Todas essas atrações eram destinadas aos jogadores de cacife mais alto que, muitas vezes, perdiam a medida e abriam demais a carteira, chegando a penhorar relógios e cordões de ouro. Esse mesmo público também movimentava o restaurante do estabelecimento. Era praticamente impossível ir à Urca e deixar de saborear um bom prato francês no novo grill do Cassino. No Programa,a Pannon – empresa responsável pela nova iluminação do restaurante – anuncia a novidade: “Para o esplendor de suas noites, a claridade estupenda dos dias tropicais. (...) Construído segundo os moldes mais avançados da arquitetura moderna, o deslumbrante salão rivaliza, pelo luxo e beleza de linhas, com os mais perfeitos do gênero existentes no mundo.”

Pela farta publicidade veiculada no Programa, é possível ter uma ideia dos hábitos dos frequentadores da casa de jogos e do que se passava por lá. Álcool e tabaco, por exemplo, estavam na ordem do dia: o uísque Haig, que “nunca dá dor de cabeça”, o espumante Único “para mulheres únicas” e os cigarros Hollywood “de luxo, lisos ou com ponta de cortiça”. Anúncios da Alfaiataria Guanabara, “que acabava de receber os mais belos e modernos padrões de linho irlandeses”, e da Cinta Moderna, que prometia deixar as mulheres com as medidas da Vênus de Milo, indicam que a moda fazia parte da lista de prioridades de quem ia ao Cassino. Esse tipo de propaganda alimentava os pensamentos mais moralistas, principalmente o de que as moças desacompanhadas que por lá circulavam, bebendo e fumando em público, talvez não fossem do tipo “casadouro”.

No entanto, toda essa diversão não sobreviveu à derrocada do Estado Novo. Em 1946, sob o argumento de que “a tradição moral, jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à prática e à exploração de jogos de azar”, orecém-empossado presidente Eurico Gaspar Dutra – certamente influenciado pela rigidez religiosa da primeira-dama Carmela Dutra, apelidada de dona Santinha– proibiu os cassinos. Se para muitos a medida representou uma vitória, para os artistas e os cerca de 50 mil desempregados que surgiram da noite para o dia era o prenúncio de tempos difíceis.