Wolfgang Ludwig Rau (1916-2009) dedicou sua vida a Anita Garibaldi. Em todo lugar onde ela esteve, lá estava ele também. Por quarenta anos a fio, seguiu seu rastro em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai, Itália. Hoje, livros, manuscritos, relatos e imagens reunidos nessas andanças formam o maior acervo sobre a trajetória da heroína. Adquirido pelo governo do estado em 2004, todo esse material está prestes a ser transferido definitivamente para a cidade de Laguna.
Nascido na Suíça em 1916, Rau chegou ao Brasil com apenas 14 anos de idade, fugindo das perseguições promovidas por Hitler na Alemanha, onde morava. Assim que desembarcou no Brasil, seguiu com a família para a cidade catarinense de Blumenau, onde o pai – renomado arquiteto – tentou adquirir uma pequena indústria. Sem sucesso, acabou comprando um curtume na vizinha Lages. Ali, passou os primeiros anos de sua adolescência fazendo couros e algumas construções. Por influência paterna, também começou a projetar edificações. Vivendo entre Santa Catarina e o Paraná, terminou os estudos e formou-se em arquitetura. Depois de conseguir a naturalização do governo brasileiro na década de 1940, fixou-se em Lages e, mais tarde, em Florianópolis. Na capital, fez parte de um seleto grupo de arquitetos modernistas, destacando-se como projetista, sócio e diretor de várias empresas de arquitetura e engenharia.
E todo o dinheiro que ganhava nessa época dividia com a família e com a sua outra grande paixão: a história de Anita Garibaldi. “Ele veio para cá fugindo do nazismo e ficou com uma enorme dívida de gratidão por ter sido tão bem recebido em Lages. E resolveu pagar isso levantando a vida da Anita”, conta o jornalista Celso Martins, autor do livro Aninha virou Anita. Celso conheceu Rau em Florianópolis e visitou algumas vezes o apartamento que ele comprou especialmente para o acervo de sua heroína. “Era um velhinho magrinho, pequeno, que falava pausadamente e tinha verdadeira adoração por ela”, lembra. Ainda na Europa, ele ouvira seu pai contar as façanhas de Giuseppe Garibaldi (1807-1882), o herói da Unificação da Itália. Em Lages, ficou sabendo de mais detalhes da vida do italiano e da jovem que, na década de 1830, abandonou o marido para segui-lo pelo sul do Brasil. Daí em diante, não a abandonou mais.
Descobriu registros sobre sua família em arquivos do estado e de outros países, recolheu jornais, imagens e uma única carta em que Anita, que não sabia ler ou escrever, esboça sua assinatura. Suas investigações, reunidas em diversos livros, como Anita Garibaldi – perfil de uma heroína brasileira, viraram referência para outros pesquisadores. O jornalista Paulo Markun conta, na introdução de seu livro sobre Anita, que o “verdadeiro garimpeiro” da história contada ali era Wolfgang Rau. Como já havia feito com outros estudiosos, ele ofereceu a Markun total acesso ao seu acervo, naquela época espalhado por um úmido espaço de 70 metros quadrados.
Não foi à toa que, em 2001, Rau decidiu oferecer a coleção ao estado de Santa Catarina. “Ele percebeu que outras pessoas já haviam assumido o personagem. Sentiu então que sua missão estava cumprida”, assinala Celso Martins. Das salas do apartamento, mais de três mil peças, entre fotografias, textos, material arqueológico, cartas e quadros, foram levadas diretamente para o Ateliê de Conservação e Restauração da Fundação Catarinense de Cultura (FCC). “Como não estavam guardadas nas condições adequadas, tivemos que fazer um tratamento emergencial e estrutural, por conta da infestação de cupins, baratas, fungos”, diz Sara Beatriz Dutra e Silva Cermiano, responsável pelo Ateliê.
Por meio de um termo de comodato, boa parte do acervo foi transferida para a cidade de Laguna, onde permanece até hoje fechado à consulta de pesquisadores. “Depois de cinco anos de empréstimo, o governo do estado pretende doá-lo em definitivo ao município. Mas, para isso, fizemos algumas solicitações, como a indicação de um funcionário para receber um treinamento específico aqui no Ateliê. O que já está acontecendo. A ideia da prefeitura é restaurar o Museu Anita Garibaldi e colocar todo o acervo ali”, revela Sara Beatriz. Tomara que nos próximos meses a população de Laguna possa finalmente conhecer outras histórias da heroína catarinense e de seu apaixonado pesquisador.
Uma vida para Anita
Juliana Barreto Farias