Vasculhando o armário da vovó

Paulo da Costa e Silva

  • Certa vez, o romancista francês Marcel Proust escreveu: “A originalidade consiste muitas vezes em usar um chapéu velho que se tira do sótão”. Mal sabia Proust que sua máxima filosófica seria tomada ao pé da letra por jovens brasileiros em pleno século XXI. De fato, tem se verificado o crescimento de uma tendência que, dependendo da forma de descrevê-la, tanto pode soar fashion – o visual retrô, como foi batizada pelo mundinho da moda – quanto engraçada, se dissermos que os jovens andam usando “roupas velhas”.

    Márcia Paterman, 23 anos, é freguesa assídua dos brechós cariocas. São vários os endereços freqüentados por ela: feiras de antiguidades na Praça XV, diversos bazares, brechós de rua e de shoppings em bairros variados. Passar horas dentro de um brechó, vasculhando roupas e acessórios, é um grande divertimento para ela. Márcia compara essas visitas a um trabalho de “escavação arqueológica”, e comenta que uma das coisas que mais a atraem é a possibilidade da surpresa: “Eu me divirto tanto em brechó! Quando ando pelas ruas e encontro um, sempre entro. Nunca sabemos o que vamos achar nesses lugares, simplesmente entramos e vasculhamos, e esse é o melhor jeito de encontrar preciosidades: o acaso do brechó, como eu chamo”. No armário de Márcia, roupas atuais dividem espaço com vestidos dos anos 1970, camisas e sapatos dos anos 1960, bolsas dos anos 1950, e outros acessórios das mais variadas décadas. Quando perguntada sobre o porquê de sua preferência por roupas antigas, ela responde: “Roupa de brechó é única.

    Dificilmente você vai encontrar outra pessoa usando uma igual. Tem identidade, memória, teve outro(s) dono(s), traz marcas, uma coisa que me atrai muito, assim como livros de sebo. Nos brechós, encontro roupas clássicas, estilos charmosos de outras décadas, que me ajudam a compor um estilo só meu. Dá uma sensação de que criei um visual, no sentido artístico mesmo. E, além de tudo, o preço é mais em conta”.

    Mas, além dos preços mais baixos – o que, aliás, nem sempre é prerrogativa dos brechós, uma vez que vários deles, especializando-se, começam a cobrar mais caro –, que outros fatores contribuem para a crescente tendência de se vestir roupas antigas e usadas? “Não é somente por causa do preço que os brechós são cada vez mais freqüentados, mas porque as pessoas estão procurando a história das roupas, do tecido e do design de um outro período com o qual se identificam”, responde a pesquisadora do Arquivo Nacional e professora de história da moda Maria do Carmo Rainho. Segundo Maria do Carmo, esse interesse define bem o processo que vem ocorrendo nos últimos vinte anos: “As pessoas estão buscando uma maneira única de se vestir, sem se deixarem escravizar por tendências e, ao contrário do que acontecia até meados dos anos 1980, se vinculando cada vez menos a tribos de estilo. Elas querem se mostrar diferentes, singulares. Não vivemos mais a ditadura da moda; há uma liberdade muito maior, cada um pode se vestir num dia de um jeito e no dia seguinte de outro, misturando épocas, criando um estilo próprio, ultra-individualizado”.

  • O depoimento de Márcia mostra que ela assina embaixo do que diz Maria do Carmo: “Gosto de compor a cada dia um visual diferente; posso vestir um Courrèges de 1960 com botas de cano longo, pulseiras de plástico da década de 1970, um chapéu charmoso, estilo anos 1920, e isso me parece mais interessante do que uma composição 2007 pura, roupas de shopping, das lojas onde todos compram as mesmas coisas e parecem as mesmas pessoas, com as mesmas identidades, personalidades e preferências”. 

    Dono de um brechó em Laranjeiras, no Rio de Janeiro – que tinha o sugestivo nome de “O Passado me Condena” e acabou virando “Desculpe, Mas Sou Chique” –, Fernando Soeira diz que a maioria de sua clientela é formada por mulheres entre 25 e 40 anos, e ele tem bons argumentos a favor das “roupas velhas”: “Geralmente, as roupas compradas em brechós são feitas de tecidos finos, feitas à mão por costureiras, com acabamento muito superior ao das roupas de agora; são menos descartáveis. Por isso, é possível comprar um vestido dos anos 1970 que ainda pareça novo, como se tivesse sido fabricado ontem”.

    Não menos curioso é o fato de que as netas recobraram o interesse pelo armário das avós: “Outro dia, encontrei essa bolsa linda no quarto de minha avó; ela a usava quando ainda era jovem; pedi e ela me deu. Melhor do que nova, pois tem uma história!”, conta Verônica de Carvalho, estudante de psicologia, enquanto carrega parte da história dos anos 1950 pendurada no braço.