Vera Lúcia Bógea Borges

Marcello Scarrone

  • Alta nos preços de alimentos e diminuição do comércio exterior foram alguns dos resultados da Primeira Guerra Mundial no Brasil. Nesta breve entrevista, a historiadora Vera Lúcia Bógea Borges explica a participação do país no conflito, sua repercussão e os impactos na cultura. A arte moderna, por exemplo, “sacudiu os intelectuais brasileiros”.
     
    Revista de História – Em que contexto político se dá a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial? 
    Vera Lúcia Bógea Borges – Enquanto o conflito desdobrava-se no cenário internacional, as discussões acerca da guerra eram estabelecidas entre a intelectualidade brasileira, e suas repercussões atingiam a sociedade de maneira generalizada. Depois do ataque alemão a seus navios, em outubro de 1917, o governo brasileiro declarou guerra à Alemanha. O Brasil enviou uma unidade médica à Europa e cooperou com os ingleses no patrulhamento do Atlântico Sul. Na Primeira Guerra Mundial, a vitória dos países da Tríplice Entente e a participação brasileira no conflito envolveram o país na intensa agitação da diplomacia europeia em busca da paz. 
     
    RH – Em que medida a entrada dos Estados Unidos na guerra teve um peso determinante na decisão brasileira?
    VLBB – A participação dos Estados Unidos evoluiu da mais estrita neutralidade para a intervenção militar direta no teatro europeu de operações durante a Primeira Guerra Mundial. Na Primeira República, em certa medida, as aproximações entre os Estados Unidos e o Brasil fundamentaram-se na influência que aquele país exercia sobre a economia brasileira. Além de serem os mais importantes parceiros comerciais do Brasil, os norte-americanos superavam os britânicos como investidores no país. Naquele período, era comum o desejo de acompanhar os Estados Unidos nas questões internacionais, mas também existiam vozes discordantes. O embaixador Domício da Gama, em Washington no período de 1911 a 1918, defendia a não ingerência norte-americana nas questões sul-americanas.   
     
    RH – Como a sociedade brasileira acompanhava os eventos bélicos na Europa? 
    VLBB – Certamente, a cobertura feita pela imprensa em relação ao conflito era uma maneira de a sociedade brasileira manter-se informada. No dia seguinte à entrada na guerra, o jornal Correio da Manhã noticiava a reunião que contou com a presença do presidente da República, Wenceslau Braz, e seu Ministério, com o objetivo de tomar medidas decorrentes do ato do governo. Dentre elas, destacava-se a internação de todas as tripulações de navios alemães na Ilha Grande, ficando sujeitas a um comando militar.  Por sua vez, naquele mesmo mês de outubro de 1917, na grande imprensa carioca circulavam várias outras notícias sobre a decisão pela entrada do Brasil na guerra e a repercussão geral desta atitude na América Latina. Já em novembro de 1918, as manchetes dos jornais anunciavam que a Alemanha aceitara as condições dos aliados e as hostilidades cessaram. A menção aos telegramas do exterior e aos jornais estrangeiros era uma marca do noticiário.  
     
    RH – A partir de 1914, em nosso país, quais foram as repercussões em termos sociais e econômicos da Primeira Guerra Mundial? 
    VLBB – Em decorrência do início do conflito, um dos efeitos imediatos sentidos pela população brasileira foi a alta de 10% a 35% nos preços dos gêneros alimentícios, sobretudo os de maior consumo, como arroz e a farinha. Com a evolução da guerra na Europa, as autoridades brasileiras estavam preocupadas com o agravamento da crise do Tesouro em função da diminuição do comércio exterior do Brasil, o que acarretou a prevista diminuição da renda pública, uma vez que esta dependia, em grande medida, dos direitos arrecadados nas alfândegas. Além disso, o conflito excluiu as importações da Alemanha e do Império Austro-húngaro, que chegaram a representar 19% do total.  No início da guerra, o estado de São Paulo tinha café depositado nos portos da Europa. Com o final do conflito, o recebimento do produto da venda tornou-se problemático para a delegação brasileira nas negociações de paz. 
     
    RH – A guerra representou um vendaval que sacudiu o velho continente. Culturalmente, preparou e acompanhou o surgimento de vanguardas de várias denominações. Como isso tocou o Brasil e sua cultura?
    VLBB – Nas duas primeiras décadas do século XX, a efervescência cultural tomou conta do país. Olavo Bilac produziu vasta obra literária marcada pelo patriotismo ufanista e destacou-se como líder de uma campanha nacionalista na época da Primeira Guerra. Também na literatura outros nomes ganharam destaque, como Monteiro Lobato e Lima Barreto, que procuraram refletir sobre o Brasil. No campo das artes plásticas, em 1917, a exposição de Anita Malfatti repercutiu de forma ruidosa na imprensa, e a polêmica em torno da arte moderna sacudiu os intelectuais brasileiros. A atmosfera tensa gerada pelo conflito mundial deu impulso decisivo para a dança baseada em ritmos frenéticos e tornou-se uma das atividades simbólicas preponderantes da vida social.