Publicado originalmente em 1976, está nas livrarias uma nova edição do livro Só dói quando eu respiro, do cartunista Caulos. O álbum foi o primeiro a se dedicar, no terreno dos cartuns, às preocupações ambientais.
Nascido Luiz Carlos Coutinho, em 1943, na cidade mineira de Araguari, Caulos foi oficial da marinha mercante antes de migrar para o trabalho na imprensa. Publicou em revistas e jornais de renome mundo afora, com destaque para o The New York Times, Penthouse, Playboy, Pardon e Oui. Valendo-se da arte sequencial e das onomatopeias características das histórias em quadrinhos, a obra de Caulos apresenta reflexões corrosivas em nanquim acerca da alienação provocada pelos meios de comunicação (em especial a TV), o mundo do trabalho e suas dificuldades, a correria das grandes cidades e a mercantilização das relações sociais.
Parte dos quadrinhos de Só dói quando eu respiro veio à luz pelas páginas do Jornal do Brasil. Os demais foram publicados no jornal O Pasquim, onde Caulos acumulava a função de diagramador – atividade que exercia também em seus livros. O título faz menção não somente à devastação ambiental, mas também ao autoritarismo sufocante dos tempos de ditadura. Inteiramente em preto e branco, o álbum é uma espécie de grito de alerta contra o desenvolvimento urbano. O enfoque principal é a natureza, ou o que restou dela. Os cartuns abordam os riscos que a falta de planejamento urbano representa para a fauna e a flora. Nesta trama, o ser humano cumpre um duplo papel: o de opressor e o de oprimido. "De um lado, a vítima: o homem. Do outro, o assassino, o homem. Quem mais? Afinal, é ele quem polui os rios e o ar, devasta as cidades construindo os espigões, devasta a fauna matando animais, devasta a flora abatendo árvores", analisa Sérgio Augusto, na apresentação do livro.
No amplo leque de relações de poder expostas no álbum, Caulos evidencia – tal como alertou Sigmund Freud – a existência de uma espécie de mal estar contido no projeto civilizatório. Os maiores algozes seriam os machados e a sua sanha incansável em colocar por terra todas as árvores de seu caminho. Porém, onde existe opressão, há também resistência. Os animais sempre encontram um jeitinho de driblar as agruras do progresso. No desenho que ilustra a capa, vemos um pica-pau talhando com seu bico uma árvore, mas é apenas um toco de uma espécie dali extirpada.
No ano seguinte, o artista lançou a obra Errar é humano, de menor repercussão, que versava sobre temas mais políticos e críticos à ditadura, apesar de manter a preocupação com a natureza. No final da década de 1980, ele publicou ainda Vida de passarinho, onde mais uma vez apresenta o mundo sob o ponto de vista desses simpáticos bichinhos, recorrentes em sua produção.
Além do desenho de humor, sempre sem palavras, nos anos 1980 Caulos enveredou pelo mundo da pintura, principalmente com técnica a óleo, que aprendeu de forma autodidata, estudando a história da arte. Suas telas são influenciadas por grandes nomes da pintura, como Pablo Picasso e o pintor norte-americano Alexander Calder. Nos últimos anos, ele tem se dedicado a livros infantis, como O Planeta Colorido. Mas seu lápis entrou para a história dos quadrinhos brasileiros pelo pioneirismo na defesa intransigente do meio ambiente.
Márcio Malta (Nico) é cientista político, cartunista e professor do Centro Universitário La Salle (RJ) e autor de Diretas Jaz: o cartunista Henfil e a redemocratização através das cartas da mãe (Muiraquitã, 2012).
Saiba mais:
CAULOS. Errar é humano. Porto Alegre: L&PM, 1977.
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Márcio Malta