Xenungulado vem à tona

Déborah Araujo

  • Por quase meio século, o bairro de São José, em Itaboraí (RJ), foi fonte de extração do calcário e de relevantes descobertas paleontológicas. Os fósseis encontrados no período de 1933 a 1984, alguns com até 49 milhões de anos, foram enviados para instituições como o Museu Nacional de História Natural da UFRJ e o American Museum of Natural History, em Nova York (EUA). Com o fim da exploração econômica, o potencial científico da área parecia ter chegado ao fim. Até que, em julho passado, pesquisadores do Parque Paleontológico de São José do Itaboraí acharam ossos fossilizados de um mamífero raro da América do Sul, com cerca de 55 milhões de anos: um xenungulado, bicho com formas similares às de uma anta.

    Pesquisadores do Laboratório de Preparação de Macrofósseis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – para onde foi enviada a ossada encontrada na Bacia – estimam que o mamífero media mais ou menos 1 metro de altura e 2,5 metros de comprimento, pesando cerca de 400 quilos. Um gigante, comparado a outros mamíferos da sua época, mas não um predador. O xenungulado se alimentava principalmente de plantas ribeirinhas e aquáticas, mesmo sendo um animal terrestre. Ao que tudo indica, no Brasil, o Carodnia vieirai (seu nome científico) habitava exclusivamente a região de Itaboraí durante o Paleoceno, e era primo de uma espécie argentina, o Carodnia feruglioi.

    A paleontóloga Lilian Paglarelli Bergqvist, da UFRJ, explica que o tamanho e o formato do fóssil indicam que é mesmo um xenungulado: “Os répteis grandes seriam muito menos ornamentados”. A pesquisadora ressalta que a raridade do bicho está relacionada ao seu porte. “Quanto maiores os animais, mais raros eles são, por conta da reprodução mais lenta”, ressalta. No Museu da Geodiversidade da UFRJ há uma réplica semelhante do esqueleto do animal já montada e exposta. Já o original vai retornar ao Parque Paleontológico de São José do Itaboraí, que deve deixá-lo em exposição.

    O biólogo Luís Otávio Castro, gerente do Parque e autor da descoberta, espera novos achados. O pesquisador explica que o xenungulado foi encontrado nas pedras sedimentares às margens da Bacia de São José. Os fósseis mais antigos estavam em aberturas ou depressões na rocha, mais perto da superfície. “Com o fim da atividade mecânica, foi deixada uma cava de cerca de 70 metros de profundidade que, com o tempo, foi preenchida por água subterrânea e das chuvas, gerando um lago artificial”, relata. A diminuição gradual do nível de água – ligada ao abastecimento de moradores ao redor do Parque – e a recente reabertura das antigas trilhas da mineração são apenas os primeiros passos de uma série de novas pesquisas em São José do Itaboraí. O biólogo espera que o fato “também aproxime a população local para entender o valor científico e o potencial turístico da região”.