Exílio lucrativo

André Figueiredo Rodrigues

  • De acordo com a sentença proferida em abril de 1792, muitos dos principais envolvidos no movimento da Inconfidência Mineira foram condenados ao degredo na África, com exceção dos religiosos, enviados para conventos em Portugal. Alguns morreram assim que chegaram à África, como o poeta Alvarenga Peixoto, o contratador Domingos de Abreu Vieira e o médico Domingos Vidal de Barbosa Lage, mas outros tiveram no exílio a chance de recomeçar suas vidas. Os demais sentenciados ao degredo conseguiram se reerguer trabalhando no comércio ou ocupando cargos importantes na administração local, e alguns até se reintegraram à vida política brasileira.

    O caso mais curioso ocorreu com o jurista e poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Condenado ao degredo em Moçambique, ele recebeu tratamento especial assim que lá chegou: ficou hospedado na casa do ouvidor José da Costa Dias de Barros e foi nomeado Promotor do Juízo de Defuntos e Ausentes, cargo que exerceu de 1792 a 1805. Em 9 de maio de 1793, antes de completar seu primeiro ano no exílio, Gonzaga se casou com Juliana de Sousa Mascarenhas, filha do comerciante Alexandre Roberto Mascarenhas. Por ser o único advogado habilitado naquela colônia portuguesa, militou na profissão até seus últimos dias, tendo sido reconhecido em 1800, num documento coletivo que traz a assinatura do próprio inconfidente,como “uma das principais pessoas da cidade de Moçambique”.

    Quem também prosperou no continente foi José Álvares Maciel (1761-1804), naturalista formado na Universidade de Coimbra. Assim que chegou a Angola, ele se tornou representante comercial dos negociantes da cidade de Luanda. Por conta de seus conhecimentos de ciências e mineração, foi designado pelo governador D. Miguel Antônio de Melo, em 1797, para descobrir jazidas e instalar uma fábrica de ferro em Golungo. Em março de 1800, com alguma improvisação e o auxílio de 134 escravos, a pequena siderúrgica começou a produzir ferro. Com os bons resultados obtidos, Maciel sugeriu que fossem recrutados trabalhadores em Minas Gerais para fazer o serviço de forma satisfatória. O empenho do inconfidente lhe rendeu elogios do próprio príncipe regente D. João.

    Outro sedicioso a receber recomendações reais foi José de Resende Costa Filho (1764-1841), acolhido em Cabo Verde pelo secretário de Governo, o naturalista fluminense João Diogo da Silva Feijó, para prestar serviços burocráticos. Nomeado ajudante da Secretaria de Governo e oficial de escrituração do Real Contrato da Urcela, Resende acabou sendo promovido interinamente a secretário de Governo, como sucessor de Feijó, em 1795. Três anos depois, ele assumiria o cargo de escrivão da Provedoria da Real Fazenda, onde ficou até 1798, quando se tornou comandante da Praça de Vila da Praia – antiga capital de Cabo Verde –, tendo ostentado o título de capitão-mor do Forte de Santo Antônio até 1803.

    Depois de cumprir sua sentença de dez anos, em 1802 Resende Costa Filho pediu autorização para se instalar em Lisboa no ano seguinte, onde contou com o amparo do tenente-coronel Manuel Jacinto Nogueira da Gama, futuro marquês de Baependi. Em Portugal, ele foi nomeado escriturário do Erário Régio, cargo que exerceu até 1809. Nesse mesmo ano, o príncipe regente D. João, já no Brasil, chamou-o para vir ao Rio de Janeiro e o nomeou administrador da Fábrica de Lapidação de Diamantes. Ali também exerceu as funções de contador geral do Erário e escrivão da Mesa do Tesouro até 1827. Ainda na década de 1820, Resende foi nomeado procurador da Câmara de São João del Rei, e passou a defender os interesses dos mineiros no Rio de Janeiro. Após a Independência, já totalmente integrado à vida do país, foi eleito deputado constituinte em 1823 e deputado à Legislatura de 1826.

    Na Câmara, Resende Costa Filho teve ao seu lado outro inconfidente: o padre Manuel Rodrigues da Costa (1754-1844), que foi, entre todos os envolvidos na Inconfidência Mineira, o primeiro a se livrar da pena de degredo. O religioso ficou preso na Fortaleza de São Julião da Barra, em Lisboa, de 30 de setembro de 1792 ao último trimestre de 1796, quando passou a viver como recluso no Convento de São Francisco da Cidade, onde ficou até ser libertado, em 1801. Três anos depois, quando voltou para Minas Gerais, aplicou na Fazenda do Registro Velho, que pertencia à sua família, as mesmas técnicas modernas de cultivo da terra que havia aprendido quando estava cumprindo sua sentença em Portugal.

    Além de próspero proprietário rural, Manuel Rodrigues da Costa se destacou como um dos mais ardorosos defensores da Independência do Brasil em Minas Gerais, onde foi eleito deputado para a Assembleia Constituinte de 1823. De 3 de maio a 9 de novembro, a atuação do padre se fez sentir nos debates em torno dos temas ligados à liberdade religiosa, à catequese dos índios e à anistia aos presos políticos que lutaram para que o país se emancipasse de Portugal. Por conta de sua idade avançada – 72 anos –, obteve dispensa da Câmara no mesmo ano em que foi redigida a legislação do novo Império. Em 1831, ele recebeu a visita do imperador D. Pedro I na Fazenda do Registro Velho, onde foi nomeado cônego da Capela Imperial.

    A trajetória desses personagens prova que o degredo não foi drástico para todos os inconfidentes, como se conta nos livros. Para alguns, ele foi o estopim para uma retomada em suas vidas.

     

    André Figueiredo Rodriguesé professor das Faculdades Guarulhos, do Centro Universitário Anhanguera de São Paulo e autor de O clero e a Conjuração Mineira (Humanitas FFLCH/USP, 2002).