O 9 de julho de 1932 surpreendeu a população gaúcha, até mesmo os aliados do movimento. Muitas de suas lideranças políticas já estavam a par ou mesmo envolvidas nas articulações revoltosas, mas a surpresa foi o momento. O próprio interventor federal no estado, José Antônio Flores da Cunha, vacilava: ora mostrava-se leal a Getulio Vargas, a quem devia sua nomeação, ora ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), ao qual pertencia.
O PRR, dirigido por Borges de Medeiros, e o Partido Libertador (PL), de Raul Pilla, formavam a Frente Única. Estruturada a partir de 1929, seu objetivo era, primeiro, apoiar a candidatura de Vargas à Presidência da República e, depois, sustentar a revolta armada de 1930 que o colocou à frente do Governo Provisório.
Com Getulio na presidência do país, vários membros dos partidos coligados alcançaram cargos importantes ao nível nacional. Do PRR, Oswaldo Aranha se tornou ministro da Justiça; Lindolfo Color, ministro do Trabalho; João Neves da Fontoura, assessor jurídico do Banco do Brasil. Do PL, Joaquim Francisco de Assis Brasil se tornou ministro da Agricultura e João Batista Luzardo, chefe de polícia do Distrito Federal. Mas esta unidade logo começou a se desfazer, e os grupos passaram a se diferenciar pela maior ou menor proximidade com Getulio Vargas, no plano federal, e com Flores da Cunha, no plano estadual.
Aranha apoiava Getulio e dava suporte aos que defendiam o prolongamento do Governo Provisório e o adiamento da elaboração da nova Constituição do país. Outros, como Neves da Fontoura e Lindolfo Collor, pregavam o rápido retorno do Brasil à constitucionalidade. Já Raul Pilla divergia do governo estadual e o criticava publicamente. Os chefes da Frente Única e parte de seus seguidores passaram a apoiar cada vez mais a Constituinte. Acabaram por tramar a revolta junto com os paulistas, e a ideia era a de uma ação coordenada, inclusive com o apoio de Flores da Cunha e da Brigada Militar, um exército estadual bem treinado e armado.
Mas o movimento foi precipitado em São Paulo, sem uma articulação maior com os demais conspiradores. No Sul, Flores da Cunha optou por ficar ao lado do governo federal e acabou por afastar, transferir ou deter vários dos praças e oficiais da Brigada Militar que se mantiveram leais a Borges de Medeiros. Também enviou para o front em São Paulo tropas da corporação cujos comandantes, propositalmente, não foram informados do motivo do deslocamento, a fim de evitar que se recusassem a lutar no lado oposto ao recomendado por Borges de Medeiros. Alguns até se rebelaram, mas as punições, o controle das tropas estaduais pelas federais e uma carta falsa atribuída a Borges apoiando o governo federal dissuadiram os revoltosos.
Com o objetivo estratégico de abrir uma “segunda frente” e dividir as tropas federais, Borges, Luzardo e Pilla, entre outros, intentaram e insuflaram diversos levantes no interior do estado. No entanto, os rebeldes foram subjugados por forças estaduais e federais, sendo vários deles exilados.
Segundo o historiador norte-americano Carlos Cortés, “Flores da Cunha transformou o Rio Grande do Sul num estado sitiado. Seguiram-se prisões, uma rígida censura abrangendo a imprensa, o rádio, o correio e o telégrafo, e, além disso, rigorosa vigilância nas estradas e nas ferrovias.” Assim, o movimento constitucionalista de 1932 não conseguiu frutificar no Rio Grande do Sul. Sempre escudado pelos irmãos de Getulio e apoiado pelo próprio presidente, Flores conseguiu sufocar os focos de revolta, contribuindo para que o governo federal concentrasse forças militares para vencer o grosso do movimento, que acabou ficando restrito a São Paulo.
Luiz Alberto Grijó é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e organizador de O continente em armas: uma história da guerra no Sul do Brasil(Apicuri, 2010).
Saiba Mais - Bibliografia
CORTÉS, Carlos E. Política gaúcha (1930-1964). Porto Alegre, Edipucrs, 2007.
Um estado sitiado
Luiz Alberto Grijó